Caroline Maria, Dandara Lima, Hannah Maruci, Laura Astrolabio, Marina Zilbersztejn
Para evitar que o recorde de candidaturas de mulheres em 2020 vire um novo “laranjal”, as candidatas devem ficar atentas aos sinais
As denúncias sobre candidaturas laranjas do Partido Social Liberal (PSL), que tornou-se inquérito em fevereiro de 2019, abriu um novo episódio na discussão dessa prática tão danosa às conquistas de mulheres por espaço na política institucional, popularizando o debate. Em outras palavras, o laranjal “caiu na boca do povo”. Engana-se, entretanto, quem acredita que a prática ocorreu apenas na antiga legenda de Jair Bolsonaro.
As laranjas, no contexto eleitoral, são aquelas candidaturas em que a pessoa concorre ao pleito sem ter condições reais de se eleger ou, às vezes, sem sequer saber que estava concorrendo. Tratam-se de candidaturas “de fachada”. Esta prática atinge ainda mais as mulheres porque a legislação brasileira, desde 2009, obriga os partidos a destinarem ao menos 30% das vagas entre candidatos de campanhas proporcionais para mulheres. Em 2018, vivenciamos um boom de candidaturas laranjas porque naquele ano também passou a valer a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)[1] que reserva às candidatas mulheres acesso ao Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha na mesma proporção do número de candidaturas - além de tempo de rádio e televisão.
Neste cenário, os partidos políticos preferem cometer um crime eleitoral do que investir em candidaturas de mulheres tornando-as viáveis e competitivas. Pesquisa desenvolvida pelas professoras Malu Gatto, da University College London, e Kristin Wyllie, da James Madison University, revela que 35% de todas as candidaturas de mulheres para a Câmara dos Deputados na eleição de 2018 não chegaram a alcançar 320 votos, o que pode demonstrar que tratavam-se de candidaturas “de fachada”.
Agora, em 2020, nos deparamos com mais uma preocupação, a possibilidade dos partidos usarem candidaturas laranjas para burlar a decisão do TSE que obriga que estes direcionem verbas do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral de forma proporcional para candidatos e candidatas negras. Tal decisão, que altera sobremaneira as regras do jogo eleitoral já valerá para essas eleições municipais.
Este não pode ser um tema “menor” dentro da pauta eleitoral. O assunto aqui não é apenas sobre mais mulheres na política. É sobre desperdício de dinheiro público em um jogo sujo que deliberadamente usa as mulheres enquanto as retira da corrida. Ou seja, mais do que nunca, nós precisamos estar atentas e fortes para impedirmos que o boom de candidaturas laranjas se repita nas eleições municipais de 2020. Mas, na prática, como fazer isso?
A promotora Vera Lúcia Taberti, que presta assessoria sobre direito eleitoral para todos os promotores do Estado de São Paulo, e A_Tenda elaboraram alguns passos para não ser laranja nessas eleições:
1 - Querer participar das eleições
O primeiro passo para não ser uma laranja é querer participar das eleições. Isso pode parecer óbvio, mas não tanto quanto parece. Grande parte dos casos de candidaturas laranjas são mulheres que entram na lista apenas para preencher a cota de 30%. Em alguns casos as mulheres nem sabem que estão entrando como candidatas. Em outros, elas concordam com isso, para ajudar o partido ou algum familiar, mas acabam não se dedicando à campanha.
Por isso, para ser uma candidata, reforçando, é preciso querer entrar no jogo. Isso significa saber que uma campanha exige dedicação intensa de tempo e energia, além de uma estrutura mínima.
2 - Conhecer as regras eleitorais e o sistema político
Para não ser manipulada, a candidata precisa entender o funcionamento do sistema político e das regras eleitorais. Ou seja, precisa se informar sobre o que é necessário para a realização de sua campanha política. Assim, saberá perceber se está sendo usada pelo partido ou não. Entre muitas outras coisas, uma campanha demanda uma advogada eleitoral, profissional de contabilidade e recursos financeiros para comunicação, como produção de materiais gráficos e publicidade online em redes sociais.
Além disso, se ela conhece seus direitos enquanto candidata e conhece as regras que buscam incentivar a participação política das mulheres, ela pode cobrar e reivindicar que elas sejam cumpridas. É sempre bom lembrar: a candidata precisa do partido, mas o partido também precisa da candidata.
3 - Reunir provas de todos os processos
É recomendado que a candidata colete provas durante todo o processo, desde a filiação ao partido, a tratativa sobre sua candidatura, os itens e o apoio prometidos pelo partido, até o processo de campanha e eleição. Se ela não reúne provas, não poderá se defender futuramente, caso seja necessário.
Prints de conversas, e-mails, tudo isso deve ser armazenado. Além disso, recomenda-se sempre que a candidata esteja acompanhada nas tratativas com os partidos políticos. A candidata deve juntar provas de que isso ocorreu. Assim, ela terá como comprovar , em possível denúncia , o que foi combinado e prometido.
4 - Cobrar o partido
Se, durante o processo eleitoral, a candidata perceber que foi apenas usada para completar cota, ou seja, se depois do registro de candidatura ela se sentir abandonada, deve comunicar suas impressões ao partido. Uma vez que os acordos feitos com o partido foram registrados, essas informações poderão ser usadas para cobrá-lo de seu cumprimento.
Uma medida que pode ser muito útil é a comunicação constante com as outras candidatas do partido via grupos de whatsapp ou outros meios online. Dessa forma, é possível identificar se há outras candidatas na mesma situação e pressionar o partido de forma conjunta, o que pode ter um resultado mais efetivo.
5 - Se necessário, denunciar
Essa é a última medida que deve ser tomada. A candidata deve recorrer a ela apenas caso nenhum outro tipo de abordagem tenha tido resposta efetiva. Não se trata de um caminho que deve ser tomado na primeira resistência apresentada pelo partido. A denúncia só deve ocorrer quando a candidata perceber que, assim como ela, há outras candidatas sendo preteridas ou que o partido nunca está disposto a atendê-la quando ela o procura ou, ainda pior, o partido a destrata e exclui.
Quando ela perceber que não há outra saída e que sua candidatura é apenas um número para o partido, é preciso coragem para denunciá-lo. No caso do estado de São Paulo, será implementado um canal de denúncias online, mas é possível ir diretamente ao promotor ou promotora do município em que está disputando as eleições.
Dica extra! Inscrever-se nas aulas d’A Tenda (@InstaDaTenda)
O projeto A_Tenda está com inscrições abertas para todas as mulheres interessadas em um calendário completo e inovador com aulas online, gratuitas e voluntárias, durante os meses de setembro, outubro e novembro. A primeira aula “Como não ser uma laranja” será realizada no dia 24 de setembro com a promotora de Justiça Vera Lúcia Taberti.
Vera Taberti atuou na PRE-SP nas eleições municipais de 2016, enfrentando as fraudes à cota de gênero. Em 2018, no combate à irregularidade das candidaturas femininas e, agora em 2020, presta assessoria eleitoral aos promotores de justiça do Estado de São Paulo, orientando-os sobre o lançamento de possíveis candidaturas fictícias. Para participar desta e das demais aulas, busque pelo link de inscrições disponível em https://www.instagram.com/instadatenda/.
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