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A cara do novo FUNDEB: o papel da Comissão Especial para a construção da maioria

Marcela Tanaka e Vitor Vasquez


Desde o seu início, em 2019, o governo Bolsonaro apresenta dificuldades de lidar com a área educacional. De lá para cá, quatro ministros ocuparam a pasta da Educação, sendo que duas trocas ocorreram durante a pandemia de COVID-19. A falta de coordenação nesta jurisdição se refletiu no papel de coadjuvante que o Poder Executivo desempenhou frente ao Projeto de Emenda à Constituição que propõe tornar permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB - (PEC 015/2015). Durante a discussão da votação na Câmara da referida PEC, houve uma tentativa fracassada do Ministério da Economia em emplacar uma proposta alternativa, cujo teor foi abalizado pelo novo Ministro da Educação, Milton Ribeiro.


Não bastasse a não participação do Executivo no conteúdo da proposta apreciada, o parecer da Comissão Especial do FUNDEB, elaborado pela relatora Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), sob forma de substitutivo, foi aprovado em plenário com ampla maioria. Isto indica o tamanho da derrota do Executivo, demonstrando que aprovar uma PEC é tarefa que exige articulação, diálogo entre partidos, cessão de prioridades e construção de maioria, principalmente quando a preferência do governo na política debatida está longe da observada no Legislativo. Demonstra ainda, a importância que as comissões têm no processo legislativo - mesmo que o Executivo possua amplas prerrogativas - tanto no debate e alteração de projetos e na construção de maioria para sua aprovação, quanto na sua interlocução com a sociedade civil para aperfeiçoamento da proposta em tramitação.


Sempre que uma PEC tramitar pela Câmara, uma Comissão Especial será montada, como foi feito no caso da Comissão Especial do FUNDEB. Sua criação é ordenada pelo Presidente da Casa e o Regimento Interno orienta que sua composição represente a composição partidária (ou dos Blocos Parlamentares) do plenário. No caso do FUNDEB, Rodrigo Maia (DEM-RJ) designou em fevereiro de 2019 a sua criação, cuja composição pode ser observada no Gráfico 1, a seguir. Foram titulares da Comissão 35 deputados (7% da Câmara), número superior à média de integrantes das Comissões Permanentes nos últimos anos[1]. Este total indica o alto envolvimento dos partidos na discussão desta PEC e o grande volume de atividades envolvidas nesse debate, mobilizando uma fatia considerável da mão de obra disponível no interior do Legislativo.

Gráfico 1. Porcentagem deputados por partido na Comissão Especial do FUNDEB


Embora sejam órgãos coletivos, como demonstrado pelo amplo leque de partidos que compôs a Comissão Especial do FUNDEB, vale destacar que dois cargos são centrais para o trabalho desenvolvido nas comissões: presidência e relatoria. O primeiro, é fundamental por ditar a agenda do órgão e por ser formalmente responsável pela designação da relatoria; o segundo, por elaborar o parecer sobre o projeto analisado que, se aprovado, representa a decisão coletiva da comissão. A presidência, neste caso, ficou a cargo do Deputado Bacelar (PODE-BA) e, a relatoria, como citado, sob responsabilidade da Deputada Profa. Dorinha Seabra.


Em termos de resultado político, o que se viu foi um grande trabalho de articulação e coordenação dentro da Comissão. O relatório foi aprovado em dois turnos (499 a 7 no primeiro e 492 a 6 no segundo) e seguiu para apreciação do Senado. Por se tratar de emenda à Constituição, uma maioria qualificada era necessária (⅗ da Câmara, pelo menos 308 votos à favor), porém, o teor do relatório gerou quase consenso na Câmara, desagradando pouquíssimos deputados, todos apoiadores de Jair Bolsonaro. O consenso, no entanto se concretizou na orientação unânime dos líderes partidários e das bancadas para a aprovação do substitutivo apresentado pela relatora. Apesar do presidente Jair Bolsonaro ter comemorado a aprovação do FUNDEB na Câmara através das redes sociais, o governo sentiu o golpe, resultando inclusive no afastamento da deputada Bia Kicis (PSL-DF) da vice-liderança do governo na Câmara e mobilizado o Executivo a rever sua articulação no Legislativo.


Contudo, todo este processo de coordenação observado no caso FUNDEB para se construir maioria em torno de uma pauta não se faz apenas com articulação interna. Nesse sentido, chama atenção o papel que a Comissão Especial desempenhou em termos de interlocução com a sociedade civil, por meio do debate público. Contando apenas os eventos realizados na legislatura atual, foram 12 audiências públicas e três seminários regionais. O debate envolveu diversos setores relacionados à Educação, tais como gestores via Conselho Nacional dos Secretários da Educação (CONSED) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME); estudantes via União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Nacional dos Estudantes Secundaristas (UBES) e do setor acadêmico, como por exemplo a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED). Esta ampla participação da esfera civil teve reflexo inclusive na Confederação Nacional de Municípios, que se manifestou, via ofício, favorável ao relatório emitido pela comissão. Outro texto publicado nesta semana, aqui no Legis-Ativo pela Graziella Guiotti traz uma análise completa das entidades da sociedade civil e o papel que desempenharam na aprovação da PEC.



Esses debates foram fundamentais para a construção de uma proposta de política pública que, além de formar a maioria qualificada na Câmara, ainda incluiu diretamente demandas apontadas pela sociedade civil. Exemplo disso foi a discussão sobre a emenda n.3 do texto, que versava sobre a possibilidade de utilizar recursos do FUNDEB para subsidiar bolsas de estudo em instituições privadas, que ficou conhecido como os vouchers. Em nota, a ANPED alertava que essa possibilidade “representaria um risco enorme ao direito humano à educação”. No substitutivo da Comissão, a emenda 3 foi excluída pela relatora.



A Comissão Especial do FUNDEB, portanto, demonstra como as comissões são espaços de tomada de decisão privilegiados no Legislativo, cujas atividades extrapolam o plenário. Estes órgãos promovem a discussão, alteração e aprovação de políticas públicas que geram impactos para toda a sociedade. Porém, ao fazê-lo, podem incluir no diálogo especialistas da sociedade civil ou mesmo da burocracia interna da Câmara. Especificamente no caso do FUNDEB, a Comissão Especial foi fundamental nos dois aspectos brevemente discutidos. Primeiro, na articulação entre os partidos, elaborando um parecer aprovado em consenso entre seus líderes; segundo, no diálogo com a sociedade civil por meio do debate público, aproximando a atividade legislativa institucional dos interesses mais gerais de seus representados.



[1] Para mais informações sobre a variação do número de integrantes das Comissões ver Vasquez e de Freitas, 2019.



Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Poder Executivo, FUNDEB, educação, sociedade civil, Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, Comissão Especial, desigualdades sociais, Bolsonaro, MEC, Comissão Especial do FUNDEB.

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