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A conta chega no final


Marcela Tanaka



Na Ciência Política existem várias formas de explicar fenômenos políticos. Um desses jeitos tem um nome bastante intuitivo para a forma que entende o indivíduo e o modo como ele se expressa no mundo em que vive: Teoria da Escolha Racional. Nessa forma de explicar o mundo, o indivíduo, a pessoa, é entendida a partir de sua capacidade de tomar decisões racionais, é auto interessado. Ou seja, busca seus próprios interesses diretamente, sem disfarçá-los, de modo a aumentar seus benefícios e diminuir seus custos.



Para compreender esses princípios, e também de onde deriva essa explicação, existe um exemplo muito comum dentro do que se chama de Teoria dos Jogos. É como segue: existe uma área de floresta protegida, enorme. Em volta dela há uma infinidade de fazendas. Cada fazendeiro deve escolher entre desmatar uma área protegida ou não. Para o fazendeiro, seria ideal que houvesse mais terra, logo, mais produtividade. Nesse sentido, ele opta por desmatar uma parte da floresta. Sucessivamente, todos os outros fazendeiros tomam a mesma decisão, pois, lembrem-se: o objetivo é aumentar a produtividade. Ao longo de desmatamentos exaustivos de pequenas áreas de floresta se comparadas à extensão da floresta original, os fazendeiros começam a notar que sua terra não é mais tão produtiva assim, nem tão fértil, nem há irrigação suficiente. A lavoura torna-se então insustentável - a despeito do aumento exponencial do tamanho de sua propriedade. O que aconteceu?



Afinal, quanto mais terra, maior seria a produtividade, certo? O problema é que ao aumentar a área de desmatamento, aumentou-se também as chances de assoreamento do solo, desgaste, enfim, um sem número de consequências não previstas. Logo, quanto mais terra, menos terra. Um pouco irracional, né?



Tudo isso para dizer que no dia 13 de maio foi aprovado na Câmara dos Deputados o PL 3729/2004 que dispõe sobre as regras para o Licenciamento Ambiental. Não é objetivo deste texto discorrer sobre as mudanças e impactos da nova legislação[1], mas sim um certo comportamento irracional por parte de alguns congressistas.



Vejamos, segundo o Raio-X do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, a Bancada Ruralista é composta por 80 parlamentares e afirma que “proporá revisão na desapropriação por interesse social e defenderá o livre uso de defensivos agrícolas, bem como a liberdade para desmatamento” (DIAP, 2019, p.31, meu grifo). O Gráfico 1 abaixo mostra como os parlamentares pertencentes à bancada votaram em plenário em relação ao PL. Ao total foram 55 parlamentares que participaram da votação, num total de 49 a favor (89%) e 6 contrários (11%).



Gráfico 1 - Distribuição partidária de congressistas da Bancada Ruralista por votos a favor e contrários à PL




Em primeiro lugar, cabe notar que a oposição, os partidos de esquerda (PT, PSB, PSOL e PCdoB) e os partidos verdes (PV e REDE) orientaram suas bancadas a votarem de forma contrária à aprovação do texto. Os deputados ruralistas pertencentes a estes partidos votaram junto com o seu partido, independentemente do pertencimento à bancada, exceto Emidinho Madeira (PSB/MG) que votou contra a orientação do PSB.



Todos os outros partidos orientaram as suas bancadas a votar a favor do PL. Novamente há uma alta taxa de disciplina partidária, isto é, deputados votando junto com a orientação dos líderes. Novamente, há uma exceção: Clarissa Garotinho (PROS/RJ), que votou contra o texto final e contra sua liderança. De todo modo, é aqui que gostaria de me deter. Evidentemente este é o tipo de pauta que é ganha-ganha para os dois lados. Em outras palavras, é evidente que a bancada ruralista tenderia a votar a favor de uma pauta que facilita, e muito, a exploração de terras para o agronegócio, por exemplo. E que, além disso, está em sintonia com as plataformas individuais dos congressistas.



Contudo, voltamos ao problema de bens coletivos explicitado no dilema dos fazendeiros. Muito além da defesa necessária e pré-condição de sobrevivência, a regulamentação ambiental é, antes de tudo, um bem coletivo. Isso inclui aqueles que dependem do uso intensivo da terra. Novamente, é o dilema de que quanto mais se usa, menos se tem. Assim, a pergunta que fica é, mesmo que seja de benefício a curto prazo, o voto da bancada ruralista, que essencialmente depende da sobrevivência ambiental, em prol de um projeto que, a longo prazo é insustentável, pode ser considerado um comportamento racional? Teoricamente, no curto prazo, sim. No longo prazo, nem tanto.



A solução para o dilema dos fazendeiros se estende para o caso do PL. Na Teoria dos Jogos é o que se chamaria de ponto de equilíbrio. Isto é, não tem como cada fazendeiro continuar a desmatar indefinidamente, pois o resultado do jogo, o final, não é para benefício de nenhum deles. A solução ótima, o equilíbrio, depende do refreamento do componente danoso. A mesma solução deveria ser aplicada em relação ao PL. É de visão muito estreita pensar que “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando as normas[3]” não tem um preço, que a conta não vai chegar. Ela chega, ela cobra e, no final, não sobra nada pra ninguém. Nem pra quem achou que ia lucrar.


[1] A quem interessar, há um resumo aqui no site da Câmara dos Deputados.


[2] Agradeço a Vitor Vasquez e Joyce Luz pelo auxílio para encontrar estes dados.


[3] Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, em 22/04/2021. Acesse aqui.

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