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A fome é uma decisão política

Vítor Oliveira



Caminhar pelas cidades brasileiras é tarefa para quem tem estômago. Na maior parte do tempo, estômago vazio ou estômago forte, dado o nível de descaso e desespero a que estão sujeitas milhões de pessoas.



A nova edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, conduzido pela Rede Penssan[1] e lançado nesta semana, apontou que 33 milhões de pessoas no Brasil passam fome, algo que nos coloca de volta ao início dos anos 1990, antes de Plano Real e Bolsa Família existirem.



Em um país como o Brasil, a fome é uma decisão política, parafraseando Rodrigo 'Kiko' Afonso, diretor da Ação da Cidadania, organização que lançou ontem (08/06) a “Agenda Betinho” no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, buscando mobilizar e sensibilizar os parlamentares em relação à emergência que vivemos.



Contudo, é difícil esperar que haja algo concreto ainda em 2022, dado o mar de desprezo que caracteriza a atual Legislatura – a que teve mais poder sobre a formulação de políticas públicas, delegado pelo Executivo, e controle sobre o orçamento desde que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada.



O desastre humanitário escancara a insuficiência de políticas públicas, refletida no vazio de ações estruturais para lidar com o desespero diário de quem não tem o que comer, o que vestir ou onde morar. E isso não se limita aos miseráveis, tradicionalmente à margem das políticas públicas, mas passa a ser realidade inclusive de pessoas que são remuneradas – em patamar insuficiente para estarem em situação de segurança alimentar.



Passado o auxílio emergencial que, durante a fase mais aguda da pandemia, amorteceu seus efeitos negativos, vemos que pouco sobrou da disposição do Congresso Nacional em lidar com a miséria dos brasileiros.



Pior que a inação diante da tragédia é seu uso pervertido, como faz Arthur Lira, que utiliza o drama para viabilizar sua agenda clientelista e eleitoreira. Nada mais sintomático do que a discussão prioritária ser a do preço dos combustíveis – componente importante do preço dos alimentos, mas cujos interesses dizem muito mais respeito ao receio do poder político dos caminhoneiros e dos seus efeitos sobre a eleição no segundo semestre, do que uma agenda estrutural de segurança alimentar.



Importante dizer, entretanto, que a falta de iniciativa não é monopólio do Legislativo Federal. Sobre o Executivo liderado por Jair Bolsonaro, espera-se pouco – e o pouco que ocorreu, teve contornos de desmonte, como na substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, com seus vários problemas de focalização e controle.



Há muito o que pensarmos sobre o saldo dessa Legislatura, desde o ponto de vista institucional até a política fiscal. Mas poucas marcas doerão tanto quanto a do descaso com os brasileiros que passam fome, excluídos das prioridades e do orçamento secreto.

[1] Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional


Créditos da imagem: Rede Brasil Atual

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