Vítor Oliveira
Entre ameaças veladas e explícitas, Arthur Lira é posicionado pela imprensa no debate público como a antessala inescapável de qualquer decisão que se tome na República. Mas esse poder todo é real ou apenas um jogo de sombras, de quem projeta mais poder do que possui?
Dia sim, dia também, há uma manchete questionando a articulação política do Governo – o que é justo. Mas logo depois, uma citação em forma de matéria levando a mensagem de Lira aos milhões, qualificando os “erros” do Planalto e a insatisfação dos parlamentares. Insatisfação de quais parlamentares? Que erros são esses?
Fica subentendido que a disputa se trava por conta de diferenças no padrão de interação entre os poderes Executivo e Legislativo, cujo amálgama foi – nos últimos 30 anos – o compartilhamento do poder de tomar decisões e governar por meio da Coalizão.
Sob a lógica do governo representativo, mesmo um partido ou político que apenas deseja alimentar sua máquina eleitoral, precisa dar respostas em termos de políticas públicas e tem na ocupação de cargos e controle de recursos públicas a maneira de fazê-lo, goste-se ou não de suas escolhas.
Não é à toa, portanto, que o Ministério da Saúde seja um dos mais cobiçados, pois ali as políticas públicas, os recursos e a escala têm um potencial de transformar-se em votos de maneira muito clara. Mas por esse modelo, sabe-se exatamente quais os grupos políticos potencialmente favorecidos dentro ou fora da lei.
Ao retomar uma montagem de Coalizão que privilegia esse padrão tradicional do sistema político brasileiro, ou seja, o acesso a recursos e controle de políticas públicas via ministérios, o atual presidente deparou-se com um grupo de partidos e parlamentares que preferem a opacidade e a ausência completa de critérios e amarras do chamado orçamento secreto.
Com a limitação do uso das emendas RP-9 para abrir o orçamento dos ministérios, temos um impasse, visto que parlamentares e o núcleo do Governo desejam ter, simultaneamente, controle sobre a mesma coisa. E temos um impasse.
Mais do que simples “erros” de articulação política, o que vemos são ações estratégicas de ambas as partes, em que Lira está no domínio das perdas, visto que a principal fonte de seu poder parece secar, ao passo em que o Planalto parece ter um cálculo de risco diferente dos outros momentos em que Lula foi presidente. Ambos os atores estão mais a fim de risco do que o costume.
Até aqui, o Planalto aceita derrotas que em outros tempos seriam inconcebíveis. Mas isto é um erro? No curto prazo, talvez não. Mas há custos de longo prazo para um Governo que tem dificuldades de vencer votações, visto que a percepção de poder e a sua expectativa é fundamental para garantir estabilidade e atrair forças políticas.
Uma analogia nada simpática
Uma lembrança curiosa diz respeito ao clássico “Coronelismo, Enxada e Voto”, de Victor Nunes Leal. Em uma interpretação sobre o poder dos Coronéis, que parecia mais evidente no Começo da República que no localismo da época do Império, o autor sugere que o fenômeno se tratava, na verdade, de uma reação à perspectiva de perda desse poder – a sobrevivência possível para o ruralismo que antes era hegemônico.
E é assim que muitas coisas ocorrem na política; quando o ruído das interações é grande e assusta, parte dele diz respeito a um grupo ou ator que está em declínio, mas ainda possui ferramentas e poder suficiente para atirar. No caso dos coronéis e de alguns líderes políticos atuais, nem se trata de uma metáfora.
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