Cláudio André de Souza
Como em uma espécie de “revolução silenciosa” vivemos um avanço considerável da profissionalização política enquanto um contingente amplo de pessoas dedicadas à atividade política, algo que perpassa a consolidação das democracias representativas ao longo dos últimos séculos. O que leva ao estabelecimento de um grupo diferenciado na condução da representação institucional nas democracias existentes, e envolve a atuação dos partidos políticos como responsáveis na relação entre recrutamento e profissionalização política.
De fato, segundo os cientistas políticos Luciana Veiga e Renato Perissinoto[1], a democracia brasileira tem relacionado a profissionalização política mediante o recrutamento organizado e efetivado pelos partidos políticos com vistas ao aumento de votos nas sucessivas eleições, ou seja, são os partidos que organizam e estabelecem padrões de recrutamento político a partir de estratégias eleitorais específicas para cada partido, considerando, inclusive, em que medida frequentam hostes governistas ou se restringem à oposição.
Sem dúvidas, a principal “divisão de base” de competição eleitoral e de profissionalização política no Brasil são as eleições municipais, tanto na disputa pelas prefeituras quanto na corrida por cadeiras nas 5.568 câmaras municipais. Ao todo, aqui, incluindo o cargo de vice-prefeito, falamos em cerca de 70 mil vagas sob disputa dos partidos a cada quatro anos, o que provoca uma demanda gigantesca em torno da necessidade de controle e gestão de estratégias eleitorais, que envolvem a ação dos governos estaduais nos municípios e o entrelaçamento destas estratégias diante dos interesses de deputados estaduais e federais.
Ao analisarmos a série histórica de candidaturas nas eleições municipais tivemos 383.701 postulantes em 2000, chegando a 557.678 postulantes nas eleições de 2020, uma variação positiva de 45,34%. Nas últimas eleições, tivemos 3,47% candidatos a prefeito e 92,97% de candidatos a Vereador a disputar mais de 68 mil cargos em todos os municípios do país.
O que temos feito como Estado e sociedade civil para melhorar a formação e a preparação política e eleitoral das lideranças políticas locais do Brasil? Apesar dos esforços feitos por empresas, entidades de interesses público em torno da educação política, movimentos de renovação, associações de prefeitos e vereadores, bem como iniciativas das Escolas Judiciárias Eleitorais em todo o país, bem como de Escolas de Governo no Legislativo, ainda carecemos de iniciativas mais sinérgicas e robustas que deem conta deste contingente assustador de políticos que habitarão por muito tempo as instituições ligadas ao sistema político brasileiro.
Segundo dados do Panorama do Legislativo Brasileiro (DataSenado), temos uma disparidade de gênero com somente 16% das mulheres sendo eleitas em 2020 como vereadoras no país. Nas últimas eleições, tivemos 31% dos vereadores eleitos com diploma superior Completo e 22% possuíam o ensino fundamental completo ou incompleto, sendo que 37% completaram o ensino médio.
Algumas ideias inquietam este autor a dialogar fora da “zona de conforto” sob a qual pairam os partidos políticos e demais agentes públicos em direção a um Pacto Nacional de Educação Política (PNEP) que execute:
1) Um esforço do Ministério da Educação em torno da abertura de cursos de graduação EAD e presenciais de Ciência Política em parceria com o Poder Legislativo e Universidades Estaduais e Federais, garantindo uma expansão articulada com as novas universidades interiorizadas nos últimos 20 anos no país, levando estes cursos para fácil acesso por parte das lideranças públicas;
2) Articulação com Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) para abertura de cursos de pós-graduação lato sensu em Assessoria Política, Governo e Políticas Públicas.
3) Oferta por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cursos modulares EAD de 20h para o público em geral, mas com foco nas lideranças interessadas em candidaturas femininas e negras;
4) A oferta por parte do TSE de um curso presencial nas cidades acima de 200.000 eleitores para os vereadores eleitos com foco em teoria democrática, sistema político, processo legislativo e representação política;
5) Com uso avançado da Inteligência Artificial, o TSE pode criar um App de Educação Política focado pedagogicamente em dúvidas e questionamentos quanto ao sistema político brasileiro, regras eleitorais e organização básica de campanhas eleitorais?
Sem investir pesado em ações mais robustas e escalares de Educação Política, a nossa democracia não dará conta dos desafios imediatos de avançar na formação de mais e melhores lideranças político-partidárias, ainda mais diante de uma eleição municipal no horizonte na qual podemos mais uma vez bater recorde de candidaturas. O que faremos?
[1] Ver artigo completo dos autores no link: https://www.scielo.br/j/op/a/h8y6TQQfVd5Q7bznkyhMZKB/?format=pdf&lang=pt Acesso em 30/04/2023.
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