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A Revisão da Cidade

Vítor Oliveira



Fora de alguns redutos maravilhosos e cinematográficos, as grandes cidades brasileiras são retalhadas por problemas. Em nenhuma delas isso fica tão evidente quanto São Paulo, que passou por uma dramática e repentina urbanização no século XX, e poderá rediscutir seu futuro, quando será revisado o Plano Diretor Estratégico de 2014.



Especialmente nos bairros do espalhamento urbano, pouco adensados, o descaso com a convivência, a mobilidade e a civilidade – características fundamentais da vida na cidade –, nos legaram uma mancha urbana de muros, trânsito, sensação de insegurança e de gente que odeia o lugar onde vive.



Há muitos motivos para que isto tenha ocorrido, mas há poucos caminhos disponíveis para que os próximos 50 anos sejam melhores do que os últimos. E muitos deles passam pela Câmara Municipal e pelos Planos Diretores.



Contrariamente ao que muita gente imagina, não faltou investimento público. Políticas em nível federal e estadual construíram residências populares longe de tudo, trouxeram incentivos e financiamento de habitação para classe média e baixa, frequentemente em novos bairros e cidades, espraiando o tecido urbano, pensando mais no PIB que no urbanismo.



Paralelamente, a popularização do carro particular e a construção de vias expressas, rasgando bairros, enterrando rios e soterrando bulevares, tornaram subúrbios acessíveis não apenas às elites, mas a um conjunto massivo de pessoas que progressivamente se distanciou do centro. O Minhocão, em São Paulo, é o melhor (pior?) exemplo dessa ideia.



Ao mesmo tempo em que as elites abandonaram as áreas centrais, as falhas de mercado e a ausência de políticas públicas não permitiram a ocupação desse vácuo, com os mais pobres forçados a ocupar a mananciais e toda sorte de terreno sem infraestrutura urbana, ou relegada a prédios ruins no centro.



De lá para cá, planos diretores e leis de parcelamento e uso do solo – conhecidas por leis de zoneamento –, entre outras muitas legislações estruturantes da transformação urbana, tornaram-se instrumentos poderosos para criar incentivos e direcionar o desenvolvimento das cidades.



Infelizmente, ferramentas muito potentes – como as operações urbanas – apenas agravaram o espraiamento urbano e ainda tiveram seus recursos (oriundos da aquisição, pelo mercado imobiliários, de títulos que permitem aumentar o potencial construtivo dos terrenos) empregados para construir mais avenidas sem vida, pelas quais ninguém caminha depois do expediente, como a Faria Lima e a Chucri Zaidan.



É na participação política e na Câmara Municipal que reside a chave para a transformação das cidades brasileiras. Associações de moradores perceberam isso há anos e, legitimamente, defendem seus interesses de forma bem-sucedida em processos de mudanças nos planos diretores e zoneamento. Mas e o resto da cidade, não deveria participar também?



Infelizmente, vereadores não costumam ser sensíveis a interesses difusos, como os de ciclistas, pedestres e usuários de transporte público, que representem mais de 2/3 de todos 42 milhões de deslocamentos diários na Grande São Paulo[1], mas ficaram historicamente à margem dessa legislação.



Há esperança, ainda assim; a lei municipal 17.577/2021, por exemplo, cria uma política de incentivos fiscais para a reforma (retrofit) de imóveis no centro da cidade, perto do transporte e dos empregos. Junto com a política de IPTU progressivo, contida nos últimos planos diretores de São Paulo, mas só agora efetivada, poderá fomentar o reencontro dos paulistanos com sua cidade.



Mas também há motivos para desconfiar. Modificações promovidas pela lei instrumento importante criada pelo Plano Diretor, o Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), tinha como objetivo evitar que os recursos advindos da expansão imobiliária da cidade fossem drenados exclusivamente para viadutos e avenidas, garantindo 30% a investimentos em transporte coletivo, habitação de interesse social e reforma de calçadas, entre outras. Isso foi modificado pela Câmara Municipal em 2019.



Se a participação política é condição necessária para a democracia, a revisão do Plano Diretor Estratégico está na essência de um futuro mais democrático para a urbanização de São Paulo. Por conta da pandemia, a discussão foi adiada no ano passado, mas sua ocorrência é inevitável. Resta saber quem participará efetivamente dela.




Créditos da imagem: Foto: Andre Tambuci/Jornal da USP/Reprodução

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