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A vitória de Luis Arce e o triunfo do MAS: os horizontes da retomada democrática na Bolívia

João Paulo Viana e Jorge Isaías



A eleição boliviana realizada no último domingo, dia 18 de outubro, confirmou os prognósticos de vitória masista com Luis Arce e David Choquehuanca, respectivos ex-ministros da economia e das relações exteriores durante a era Morales, eleitos presidente e vice-presidente do Estado Plurinacional da Bolívia. Apontado durante a campanha como favorito pelos principais institutos de pesquisas, Arce, tido como um moderado, foi um dos principais atores do período de construção democrática denominado “processo de cambio” que caracterizou a Era Morales. O presidente eleito é considerado um dos responsáveis pela expansão econômica da última década, experimento caracterizado como “milagre econômico boliviano”.



Não obstante, o resultado impressiona porque embora o triunfo eleitoral do MAS em primeiro turno fosse esperado, tendo em vista que o sistema eleitoral boliviano assegura vitória ao primeiro colocado caso alcance 40 por cento com diferença de 10 pontos em relação ao segundo, Arce obteve maioria absoluta dos votos. Tal feito, do ponto de vista da legitimidade, dá mais tranquilidade ao MAS diante de uma realidade marcada por forte polarização ideológica. O sucesso masista na eleição presidencial se repetiu também na eleição ao parlamento. Ainda que o partido não tenha alcançado 2/3 das cadeiras no Senado e na Câmara, garantiu maioria absoluta em ambas as casas, feito surpreendente na atual conjuntura política boliviana.



Ademais, o processo eleitoral ocorreu sem grandes incidentes. Logo após a votação, a atual presidente interina Jeanine Añes (Democratas), opositora do MAS, reconheceu a vitória de Arce, atitude seguida, posteriormente, por Carlos Mesa (Comunidade Cidadã), segundo colocado na disputa eleitoral. Assim, há grandes possibilidades de que a normalidade institucional retorne à Bolívia, e o país retome nos próximos meses a agenda de crescimento econômico e desenvolvimento institucional que marcou a última década.



Na visão do novo presidente eleito, a Bolívia necessita de pelo menos 18 a 24 meses para estabilizar a economia, após a pandemia e o governo de Jeanine Añes, a quem se atribui o mal desempenho econômico em onze meses de governo, com graves equívocos e retrocessos. Entre os principais, menciona-se a estagnação dos investimentos públicos que no governo masista chegou a 6 bilhões de dólares, o fechamento de empresas estatais, como o caso da fábrica de ureia, a diminuição das operações da BOA (empresa Boliviana de Aviação), entre outras.



No geral, o clima no país está calmo após a vitória significativa do MAS com 55.11% dos votos, celebrada em todo o território nacional. Um dos únicos incidentes ocorridos foi a manifestação de alguns grupos de jovens, principalmente da cidade de Santa Cruz e região, ligados à coligação do CREEMOS, liderada por Luis Fernando Camacho, terceiro colocado, com 14% da preferência eleitoral. Esses grupos manifestaram-se em prol de uma intervenção militar pelo que consideram “uma nova fraude eleitoral”, porém, desta vez os golpistas não contam com o apoio das forças políticas derrotadas, nem sequer da OEA, que foi fundamental para a intervenção política, denominada por muitos como golpe, ocorrida em outubro de 2019. Importante ressaltar que nenhum organismo internacional se posicionou ao lado desses manifestantes que argumentam, falsamente, defender a democracia.



Com relação a Evo Morales, na segunda-feira, 26 de outubro, o presidente do Tribunal Departamental de Justiça de La Paz, Jorge Quino, informou que o juiz Román Castro anulou a ordem de prisão que pesava sobre Morales, acusado de terrorismo. Esse era o principal argumento de Añes e seu governo contra o ex-presidente, no intuito de impedi-lo de voltar ao país. Morales já afirmou que está analisando a possibilidade de retornar à Bolivia no dia 11 de novembro, três dias após a posse do presidente Arce Catacora e um ano depois de sua ida para o exílio. Em situação análoga vive o ex ministro de Justiça do governo Morales, Héctor Arce Zaconeta, refugiado na embaixada do México na Bolivia há quase um ano. Arce Zaconeta teve anulada sua ordem de prisão, sob o argumento de que não foi respeitado o devido processo legal e seus direitos constitucionais. Ao todo, outras seis ex autoridades do governo do MAS, a maioria ex-ministros como Juan Ramón Quintana, também aguardam na embaixada mexicana em La Paz.



Conforme afirmado pelo mesmo Morales a diferentes meios de comunicação, e ao novo presidente, seu papel num possível retorno se dará mais como um consultor e assessor partidário do MAS-IPSP, atuando, sobretudo, na restruturação do partido. O ex-presidente deixou claro que não é mais ele quem governa e que as decisões governamentais são inteiramente de responsabilidade do presidente eleito.



Os desafios são muitos para Arce, o principal na área econômica. Não obstante, será imprescindível, de imediato, retomar também a paz social, a estabilidade da democracia institucional, assegurando as eleições em nível subnacional de março de 2021. Na ocasião, serão eleitos governadores, deputados departamentais, prefeitos, vereadores, vice-governadores e corregedores – esse último cargo não encontra paralelo no Brasil, garantindo, assim, a reconfiguração política da Bolívia nos próximos cinco anos.



No plano internacional, já foi anunciado o restabelecimento de relações diplomáticas com Cuba e Venezuela. Rússia e China também enviaram congratulações ao presidente eleito. De perfil mais moderado, o novo mandatário boliviano deve trabalhar pelo diálogo com todos os governos da região, em busca da retomada do crescimento econômico e da harmonia dos povos latinoamericanos.

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