Carolina Corrêa
Recentemente, celebramos o Dia Internacional da Mãe Terra, que foi criado em 1970, visando, sobretudo, a aumentar a conscientização a respeito dos desafios ambientais que o planeta enfrenta e inspirar ações de preservação do meio ambiente. O secretário geral da ONU, António Guterres, utilizou esse 22 de abril para reforçar a importância de ações conjuntas e coordenadas em prol da preservação ambiental, salientando que os governos devem liderar esse caminho junto com a sociedade civil, empresas e instituições.
Além disso, Guterres destacou a sabedoria, o conhecimento e a liderança dos povos indígenas que, com base em sua experiência milenar, podem contribuir na busca de soluções para as crises mundiais do clima e preservação da biodiversidade. De fato, a fala de Guterres remete à proposta de uma governança ambiental global que admite a urgência da cooperação internacional sem desconsiderar o desenvolvimento local sustentável, valorizando e reconhecendo os saberes das comunidades e povos tradicionais.
Essa tem sido, também, a abordagem de Lula às questões ambientais e climáticas desde o período eleitoral de 2022. Transcorridos os primeiros 100 dias da sua gestão, as iniciativas do governo Lula/Alckmin no âmbito da agenda ambiental perseguiram dois objetivos que dialogam com tal concepção: (1) a reinserção do Brasil no cenário de cooperação internacional e (2) a reestruturação dos órgãos ambientais brasileiros – respeitando princípios técnicos, científicos e de inclusão.
Concentremo-nos hoje no primeiro ponto. O processo de recolocar o Brasil na condição de um importante ator da governança ambiental global teve início antes mesmo do governo Lula/Alckmin ser empossado – em novembro de 2022, Lula esteve na COP-27 e salientou o seu compromisso como o “desmatamento zero” e o combate à degradação dos biomas brasileiros até 2030. Inclusive, esse primeiro aceno à comunidade internacional foi seguido de atos relevantes já no dia da sua posse como Presidente da República, como a retomada do Fundo Amazônia e o retorno da contenção do desmatamento em diferentes biomas (como eu já mencionei aqui).
Hoje, é perceptível que a defesa da governança ambiental global pauta os seus discursos e a sua ação, principalmente, no enfrentamento da emergência climática e dos seus efeitos. Ciente desse enfoque, o governo renomeou a pasta ambiental, agora de nominada Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e adotou a sustentabilidade ambiental como um questão transversal na organização do governo – dos 37 ministérios, a temática está presente em 19 pastas, na forma de estruturas, programas ou competências (fonte: Instituto Talanoa, “Chamado à transversalidade”, março de 2023). Sem dúvida, essa formatação governamental contribui para reforçar a imagem do Brasil como um país que tenta reestruturar a sua agenda ambiental de dentro para fora.
Para robustecer esse compromisso no cenário ambiental, Lula tem dado ênfase para a questão climática nas visitas feitas a diferentes chefes de estado. Em fevereiro, Lula esteve na Casa Branca e conversou com Biden sobre a defesa de valores democráticos, a emergência climática e a preservação da Amazônia, salientando indiretamente a crise humanitária e ambiental na Terra Indígena Yanomami e a urgência de uma governança global. Na recente visita ao país liderado por Xi Jinping, Lula reiterou a necessidade de uma forte cooperação internacional na promoção do desenvolvimento sustentável e no combate à mudança climática e à perda da biodiversidade. Na mesma oportunidade, Marina Silva afirmou que o Brasil e a China terão ampla cooperação em transição energética, proteção de florestas e rastreabilidade de commodities – a colaboração inclui, por exemplo, o combate a crimes ambientais, com impedimento de acesso a mercados para produtos com origem na devastação ambiental.
Reagindo ao acordo Brasil-China, o governo dos Estados Unidos anunciou, na semana passada, quando do encontro de chefes de Estado no Major Economies Forum on Energy and Climate (MEF), a doação de US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões) para o Fundo Amazônia, entre outras iniciativas de combate ao desmatamento, proteção ambiental, reflorestamento e mitigação da mudança do clima direcionadas ao Brasil.
Esse reposicionamento do Brasil na governança ambiental global, entretanto, também exige que o país retome o seu espaço como um dos atores mais influentes da América Latina. Recentemente, em Buenos Aires, Marina Silva ressaltou a importância de o Brasil finalmente ratificar e implementar o Acordo de Escazú,[1] assinado durante o governo Bolsonaro, mas não encaminhado ao Congresso Nacional para a sua ratificação. Marina, então, comprometeu-se com a implementação do Acordo, citando, ainda, como um possível instrumento local de implementação, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCDAm), que está sendo reformulado e será relançado em breve.
Mas isso não é tudo. Os membros do governo sabem que assumir compromissos internacionais não é suficiente para recolocar o Brasil como um ator chave na governança ambiental global; é preciso retomar as ações e os resultados de controle do desmatamento já alcançados nos primeiros mandatos de Lula, e melhorar a implementação de uma série de outras políticas da agenda ambiental. Nesse sentido, os desafios tendem a se intensificar, pois, em breve, terminará a estação chuvosa na região Amazônica, momento em que as queimadas normalmente aumentam e se alastram com mais facilidade. Para enfrentar o problema, o governo parece já estar fortalecendo e preparando os órgãos de fiscalização e controle.
Outro obstáculo, ainda, deve ser superado para que o Brasil volte ao cenário internacional relativo às questões climáticas. Trata-se da difícil gestão da aliança que se formou para compor o governo. A vitória da chapa Lula/Alckmin foi o resultado da união de uma frente ampla que envolve diferentes setores políticos, sociais e econômicos, o que, inevitavelmente, produz atritos internos e pressões cruzadas as mais diversas. Por consequência, assim como em quase todas as áreas, na agenda ambiental as negociações terão que ser permanentes e exigirão flexibilidade. O problema é que, depois de quatro anos de tantos retrocessos, o espaço para concessões é consideravelmente limitado; portanto, a tarefa do governo está longe de ser simples.
Mais do que nunca, Lula terá de contar com sua capacidade de coordenação no âmbito nacional e internacional, contando com a experiência de Alckmin, de Marina Silva e dos seus demais ministros. Tão crucial como tudo isto, será a atuação do Legislativo, que terá que se erguer acima dos interesses partidários e conjunturais para ajudar a construir políticas de Estado que contribuam para que o Dia da Terra sejam todos os dias.
[1]O Acordo de Escazú é o primeiro tratado regional com foco específico em meio ambiente e direitos humanos – incluindo disposições sobre os direitos dos defensores do meio ambiente.
Comments