Graziella Testa
Na semana passada ocorreu a reunião de instalação do Grupo de Trabalho (GTRICD) destinado ao estudo do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Coordenado pelo Dep. Rubens Pereira Júnior (PCdoB/MA) e sob a relatoria do Dep. Eli Borges (SOLIDARIEDADE/TO), o grupo tem quinze integrantes, dos quais sete pertencem ao bloco partidário do PSL. Na reunião de instauração, o coordenador disse que o grupo deve formular um projeto que deverá ser votado no primeiro semestre do ano que vem para vigorar a partir da próxima Legislatura.
Na primeira reunião, o coordenador enfatizou o papel "modernizador" da comissão. Marcou ainda a uniformização das nomenclaturas e processos entre Câmara e Senado. Nada foi dito sobre as questões mais graves de natureza regimental: a centralização de poder de agenda nas mãos do Presidente da Mesa e a ausência de previsibilidade quanto ao momento em que as questões serão deliberadas. A primeira dificulta o próprio contrabalanço entre os poderes da República porque enfraquece o Legislativo como corpo e fortalece o Presidente da Mesa como agente. A segunda limita a participação da sociedade civil, que não tem tempo hábil para se organizar quando temas são incluídos na pauta repentinamente, sem que haja acordo ou posicionamento de entidades e atores.
O poder de pautar proposições no Plenário é um notório exemplo de regra pouco clara cuja prática varia de acordo com o perfil do Presidente e características da coalizão. Assim, o regimento reserva ao Presidente a função de determinar a pauta de votações "ouvindo o Colégio de Líderes". Tal regra abre espaço para o perfil do atual Presidente Arthur Lira, que alega não tratar da pauta com antecedência de forma sistemática, em reuniões pré-definidas, mas que alega ter conversado com algumas lideranças. A institucionalização do processo de definição da pauta é uma questão fundamental e sistematicamente negligenciada em todas as reformas regimentais até hoje.
Poucas proposições que precisam passar pelo Plenário morrem porque são rejeitadas, a maior parte delas morre porque jamais é pautada. Não há problema com isso, o Legislativo foi pensado para ser a arena de deliberação e participação e a quantidade de projetos aprovados não reflete a qualidade da legislação produzida. Para além disso, a possibilidade de aprovação de proposições sem que passem pelo Plenário abre espaço para que outras arenas aprovem legislações de temas menos conflituosos. Mais do que isso, quis o legislador que a apreciação conclusiva fosse a regra e o Plenário a exceção.
Essa dimensão do processo legislativo, a primeira etapa em que os projetos recebem seus despachos, também está na mão do Presidente. Assim, ao Presidente da Mesa cabe a chave da porta dos temas que podem ou não ser deliberados e seguir sua tramitação na Casa. Essa prerrogativa permite, por exemplo, que mais de 120 pedidos de impeachment sigam sem apreciação e o único responsabilizado seja Arthur Lira. A centralização da responsabilidade, cabe observar, escusa os demais deputados de explicações. Isto é, se todos os parlamentares que apresentaram pedidos de impeachment estivessem trabalhando ativamente para que ele fosse aprovado, será que os 120 pedidos seguiriam engavetadas? É impossível saber justamente por que não há instrumentos possíveis.
O ideal é que houvesse ferramenta regimental para que um determinado quórum pudesse decidir quais temas deveriam ter tramitação iniciada ou incluídos em Plenário, a despeito do Presidente. Importa observar que tal ferramenta precisaria ser limitada para evitar os tradicionais processos de log rolling em que todos os parlamentares assinam tudo. Cada parlamentar poderia usar seu "cupom de agenda" para um ou dois temas no máximo, esse documento seria público e, ao atingir o quórum, o Presidente não teria autonomia para recusá-lo. Também a inclusão de temas na pauta do Plenário deveria estaria sujeita a um prazo anterior mínimo para evitar matérias relâmpago pouco amadurecidas e sem participação da sociedade civil, tal qual a sessão convocada de última hora para apreciar um tema tão fundamental quanto a formação e prerrogativas do Conselho Nacional do Ministério Público.
A presidência de Arthur Lira está demonstrando as dimensões pouco institucionalizadas do funcionamento da Câmara dos Deputados. Se algo podemos tirar desse momento, é que há grande potencial de aprendizado e de empreender mudanças institucionais significativas e duradouras no processo legislativo da Câmara dos Deputados. Infelizmente nenhum desses pontos foi colocado como central na reunião do grupo de trabalho que irá discutir o regimento. Aliás, a própria instituição "grupo de trabalho" não tem prerrogativas formais ou está sujeita à proporcionalidade partidária como as demais comissões da Casa. Aguardamos agora os próximos passos do GTRICD, na certeza de que a sociedade civil está atenta. Nem sempre o dono da bola é o melhor jogador, mas ele nunca estará na reserva.
Créditos da imagem: O GLOBO
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