LUCIANA SANTANA E ELAINE GONTIJO
Introdução
Nas últimas semanas temos acompanhado um bombardeio de notícias e informações na imprensa tradicional, nas redes sociais, especialmente em alguns aplicativos de comunicação e informação, tais como o Google e Telegram.
A situação chegou a ser objeto de judicialização no âmbito do STF, após as duas empresas dispararem mensagens com informações não verídicas sobre o PL 2630, que busca regulamentar questões de liberdade, responsabilidade e transparência nas redes e passou a ser apelidado como PEC das Fake News, especialmente por seus opositores. A proposta, que tramita na Câmara dos Deputados após ter sido apresentada pelo Senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e aprovada no Senado em 2020, visa regulamentar a ação das plataformas no Brasil, que ainda não conta com legislação específica. O ministro Alexandre de Moraes abriu inquérito para investigar a conduta de diretores e demais responsáveis pela Google e Telegram no Brasil por suposta campanha abusiva e interferir na tramitação legislativa da proposta.
Algo que pouco tem sido comentado é a força do lobby das Bigtechs no âmbito do Legislativo, um dos motivos que levou o projeto a ser retirado da pauta pelo relator do PL 2630, Orlando Silva (PC do B).
O que é o lobby?
Como é sabido, a atividade de lobby busca influenciar os processos decisórios em benefício de interesses privados, diferenciando-se de outras formas de impacto político, como movimentos sociais, por sua capacidade de conectar diretamente os grupos interessados com os tomadores de decisão governamental. Trata-se de uma atividade complexa, que pode ser empregada por qualquer pessoa que queira apresentar uma ideia no espaço público, independentemente de seu setor de atuação. Ocorre em todos os espaços de decisão política, cada um com suas particularidades e demandas específicas para os profissionais que desenvolvem a atividade. Dependendo da função, estrutura e hierarquia dos órgãos governamentais, o plano de persuasão política é adaptado.
No âmbito do Legislativo, os lobistas ou profissionais de relações governamentais realizam intenso monitoramento legislativo para identificar vantagens e riscos políticos. Realizam o acompanhamento dos projetos e proposições em trâmite nas casas legislativas, a fim de identificar trabalhos convergentes com o grupo representado.
Essa avaliação não se limita ao mérito dos atos normativos, mas se investiga igualmente o momento da proposição, o andamento do processo legislativo, as propostas congêneres, bem como as emendas editadas sobre a proposta original. Ademais, para apreciar o impacto socioeconômico das alterações legislativas de maneira temática, é comum os profissionais que atuam com a atividade do lobby contarem com especialistas de diversas áreas do conhecimento. O resultado desse estudo multifacetado geralmente é apresentado em pareceres, publicações científicas ou na mídia comum contribuindo para mobilizar a opinião pública e as decisões tomadas na arena legislativa.
A atividade não conta com regulamentação, embora uma matéria que pretende fazê-lo tenha sido aprovada no final do ano passado pela Câmara dos Deputados, aguardando agora aprovação pelo Senado Federal.
O lobby das Big Tech
Embora deva-se reconhecer que a atividade de defender interesses não seja um problema - pelo contrário, em algumas situações, quando feita dentro da legalidade e com transparência, pode inclusive ser desejável e melhorar o processo legislativo - a forma como é feita pode trazer perdas para a democracia e a sociedade.
Os instrumentos para influenciar os agentes públicos em torno de uma causa são extensos. Como explicitado anteriormente, é possível preparar e distribuir dados de estudos sobre um tema, se organizar em torno de frentes parlamentares, realizar reuniões com parlamentares, incentivar e participar de audiências públicas, entre outras. No entanto, assim como a falta de uma regulamentação a respeito das responsabilidades das plataformas na internet conduz a uma experimentação dos limites por parte destas, a falta de uma regulamentação da atividade do lobby permite a agentes que representam interesses específicos a utilização de instrumentos de ética e legalidade no mínimo questionáveis. Na falta de lei específica, os limites têm sido estabelecidos pelo judiciário com base em legislações esparsas e, em ambos os casos, em geral quando o "estrago" já foi feito.
No caso específico das big techs, embora mais recentemente os possíveis abusos tenham se tornado mais claro para a sociedade após atos mais ostensivos e a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Federal, desde o começo da tramitação do PL 2630 há indícios de interferências questionáveis por parte de algumas empresas, como o disparo em massa de mensagens contrárias ao projeto, desinformação e utilização de influenciadores para atacar o projeto.
Para além do mérito do projeto, com todas as polêmicas que possam estar em seus artigos nas versões apresentadas até aqui - e que devem enfrentar o processo legislativo, com ampla discussão e possíveis melhorias ao texto - não se pode descartar que um adequado debate só será possível com a participação de todos os atores que têm interesse na matéria. No entanto, esse debate claramente será prejudicado se uma das partes se utilizar de métodos que atentem contra o diálogo limpo, transparente, dentro de um campo ético e da legalidade.
Dessa forma, respeitada toda a tramitação e o rito processual no âmbito legislativo, bem como todo o debate necessário a ser realizado junto à sociedade e ao parlamento, parafraseando o ministro do STF Alexandre de Moraes, “a internet não pode ser terra sem lei”. Uma regulamentação é muito bem-vinda e necessária. E isso não é censura, é garantir a liberdade de expressão, dentro de um ambiente saudável, transparente e responsável.
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