Humberto Dantas
Vamos fazer contas simples e rápidas. O PL tem 99 deputados federais na Câmara, enquanto o PT tem somente 68, com 81 na Federação Brasil da Esperança que inclui o PV (6) e o PC do B (7). Somemos ao PL, o PP que diz ser oposição e teremos mais 49, de acordo com o site da Câmara, chegando a 148. Traga o Republicanos e com seus 42, chegaremos a 190 deputados apenas na coligação que tentou reeleger Bolsonaro sem sucesso. Ao lado do PT, em termos ideológicos, apenas a Federação PSOL-Rede com 14 deputados federais, elevando a cota de Lula para 95, com os 15 do PSB que ocupa a vice-presidência nos fazendo chegar a 110. Perfeitamente: parta deste placar para que comecemos o jogo, a saber, 190 x 110, e vamos às contas.
O PP afirmou em seu encontro nacional, ocorrido faz algumas semanas, que será um partido de oposição, mas que não punirá parlamentares que votarem junto com a agenda do governo, sobretudo vindos de determinados estados onde o PT e Lula são muito fortes. Pragmatismo puro, ao estilo: melhor garantir a vaga dando um voto do que perder o deputado na janela ou ao longo do processo. Já no PL, foi Valdemar da Costa Neto quem disse, recentemente, que algo semelhante poderia ser feito pelos membros de sua legenda. Complete o cenário com algumas falas recentes do presidente nacional do Republicanos, que deseja ser o próximo presidente da Câmara, que indicou que com os ministérios e os recursos dados ao União Brasil, ele conseguiria entregar muitos votos ao Planalto. Finalize com as críticas de Arthur Lira (PP-AL) à finesse do ministro da Articulação, Alexandre Padilha, e sua falta de capacidade de entender como atuam os deputados, sendo essencial perceber que o presidente da Câmara completou: “deputado não gosta de ministério, mas sim de emendas”. Perfeito.
Agora olhemos para um bloco adicional de partidos que lançaram candidaturas próprias ou estiveram um pouco mais distantes da polarização eleitoral entre Lula e Bolsonaro em 2022: o União Brasil tem 59 deputados federais, o PSD possui 43 cadeiras e o MDB 42. É o suficiente. Faça o comparativo: 190 de oposição, 144 num posicionamento mais solto e 110 com o governo, restando ainda 69 peças que estão em outros partidos e em algum momento podem fazer a diferença – e aqui vamos dos 18 da Federação PSDB-Cidadania aos 18 do PDT e 12 do Podemos.
Conclusão inicial: a oposição topa não ser tão opositora, a depender da ocasião, dos recursos liberados, da pauta e da origem geográfica do parlamentar. E parte do bloco que entendemos ter um posicionamento mais solto possui muito espaço garantido no Planalto, sobretudo em ministérios, e tende a dar algum tipo de apoio, sobretudo com PSD e MDB, restando ao União Brasil definir o que fará da vida. É isso? Estamos contabilizando que o governo terá condições de aprovar sua agenda facilmente? Não. E aqui estão os desafios que justificam o título desse texto.
Primeiro ponto: a direita é assustadoramente potente na Câmara, tendo saído das urnas como algo muito mais afeito a Bolsonaro do que a Lula. Se o ex-presidente estivesse no poder, pagando o preço que pagou na relação com o Legislativo, sobretudo entre 2021 e 2022 para governar, sua pauta estaria surfando ondas radicais. Mas quem chegou ao Planalto foi Lula, ou seja, o presidente não ficará famoso por sua capacidade de surfar, mas sim por uma necessidade absoluta de ultrapassar a rebentação de forma extenuante. Vai custar caro, e por melhor que possa ser a onda, o surfe não será perfeito aos padrões esperados por seus eleitores.
Segundo ponto: se a direita é forte e a esquerda está enfraquecida, a agenda será menos ideológica e bem mais pragmática. Literalmente, a vitória de Lula em 2022 evitou Bolsonaro na visão de grande parte de seus eleitores àquela ocasião, mas definitivamente não reafirmou Lula. Percebe? E aqui está o ponto central: eventos recentes envolvendo parlamentares da oposição e membros do governo têm sido relatados como verdadeiras festas em que Geraldo Alckmin é fortemente cortejado por gente do PP, do PL e do Republicanos. Note: não estou dizendo absolutamente nada associado a processos de impeachment ou tramas, mas na melhor das hipóteses para o atual presidente da República, com este Congresso, espelhado na Câmara que aqui desenhamos, o governo Lula será, na verdade, um governo Alckmin, na cor e no sabor, e quase desconsiderando que ele saiu do PSDB e foi para o PSB.
Terceiro ponto: se assim for, e não estou falando de algo tão frio quanto um picolé, tampouco tão insosso quanto um chuchu, o governo vai perder o apoio de quem? Obviamente da própria esquerda, principalmente do semblante mais radical simbolizado por PSOL e Rede.
Temos assim algo para concluir: a agenda de Lula apoiada pela oposição e pelos partidos de posicionamentos mais soltos não será aquela sonhada pelo grupo representativo de cidadãos e cidadãs que subiu a rampa em evento organizado pela primeira-dama em 01 de janeiro. Se Lula for, a despeito de seus discursos carcomidos pelo passado, ressentidos de ódio e um pouco aquém da realidade, um político pragmático, teremos recursos sendo liberados, pautas negociadas e algumas conquistas pareadas por derrotas em agendas específicas. Nada muito diferente do que temos hoje. O termômetro de tudo isso será o trio: Alckmin, Tebet e Haddad. Ponto. Moderação com direito a muita gente na esquerda chamando o ministro da Fazenda de traidor e Lula tendo que tentar calar o PT com ameaças de perda de espaço. Até quando?
Se o país melhorar economicamente muita coisa pode mudar, mas em horizonte próximo isso parece improvável. Assim, vamos ver se em algum momento Lula repetirá frase do passado quando disse que depois de velho ninguém fica na esquerda, em reportagem, salvo engano de minha parte, em que uma caricatura sua era, em seus primeiros mandatos, dividida em dois e esboçava o Lula do PT e o Lula do PMDB, em simbolismo à sua caminhada ao centro sob um Legislativo infinitamente menor à direta do que temos hoje.
Resultado: caindo na real, Alexandre Silveira vence facilmente Marina Silva em outras ocasiões, Paulo Pimenta é queimado por incompetência na Comunicação, e regras mais austeras e menos expansionistas terão facilidades maiores no Congresso. Quando o ano virar, veremos o que as eleições de 2024 e a dependência federal por recursos extras nos reservará, sobretudo porque precisamos entender o que será de Jair Bolsonaro no próximo pleito municipal. O presidente apagado da disputa de 2020, que perdeu chance de ouro de se fortalecer em bases estratégicas, já disse que o PL, ou ao menos o trio PL-PP-Republicanos precisa e fará mais de mil prefeituras. Ele vai jogar este jogo? Sob quais condições? De vítima condenada? De grande líder da oposição? Ou de companhia indesejada por envolvimento em corrupção? E Lula? Troca o apoio eleitoral com dinheiro nos municípios por amparo na Câmara ou cede à teimosia do PT em candidaturas locais? Queima parceiros ideológicos ou cai na real? Definitivamente este governo é, no máximo, de centro.
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