Lara Mesquita
Em 10 dias iremos às urnas escolher prefeitos e vereadores para os 5.568 municípios brasileiros. Esse pleito, além da excepcionalidade de ocorrer em meio à pandemia, também é o primeiro pleito municipal em que os partidos têm a seu dispor os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
A legislação é bastante flexível no que diz respeito à alocação desses recursos. É preciso respeitar um mínimo de 30% dos recursos para candidaturas femininas, e desde a recente decisão do STF, que estes sejam distribuídos proporcionalmente à diversidade racial dos candidatos de cada partido. Mas nada impede, em um exemplo hipotético, que um partido que tenha 30% de candidatas mulheres e 30% de candidatos e/ou candidatas pretos e pardos, que esse partido destine 30% dos seus recursos para uma única candidata, uma mulher negra. Nesse caso esse valor deve ser, também, inferior ao teto de gastos estabelecido em lei para o cargo em disputa.
A despeito de o valor do FEFC ser vultoso, soma a bagatela de R$2.034.954.823,96; se dividíssemos esse valor por todas as 540.618 candidaturas até o momento consideradas válidas pela justiça eleitoral, cada um receberia módicos R$3.764,13.
Refinando um pouco mais essa conta de padeiro, dividimos a parcela do FEFC que coube a cada partido pelo número de candidatos considerados “aptos” ou “cadastrados” pela justiça eleitoral em 04/11/2020. Ou seja, foram excluídos os candidatos que já tiveram suas candidaturas rejeitadas, os Inaptos.
Caso o partido Novo não tivesse abdicado dos recursos do FEFC, seus candidatos seriam os que receberiam maiores transferências nesse exercício hipotético. Cada um dos 612 candidatos receberia R$59.745,40. No outro extremo estariam os 7.612 candidatos que concorrem pelo PRTB, que receberiam apenas R$162,02. Eles seriam seguidos de perto pelos 2.711 candidatos do PMB, que receberiam, individualmente, R$454,93. Os valores per capta dessa distribuição hipotética para todos os partidos podem ser observados na figura abaixo.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE - DivulgaCandContas. Acessados em 04/11/2020.
Após rápida análise das prestações de contas eleitorais, é fácil concluir que os partidos optaram por priorizar a alocação dos recursos do FEFC nas disputas aos cargos executivos, de prefeitos. Em 24 dos 26 estados, mais de 50% dos recursos do FEFC foram transferidos para candidatos a prefeitos. Em 14 estados esse percentual corresponde a 75% ou mais. Apenas no AP e no AC candidatos a vereador receberam mais recursos do Fundo que candidatos a prefeito.
Parece razoável que os partidos privilegiem a alocação de recursos em candidaturas majoritárias: essas costumam ter uma estrutura maior que precisa ser custeada, além de ter mais condições de prestar contas adequadamente. Também é comum que candidatos a prefeito produzam materiais de “dobradinhas” com vereadores e vereadoras, e entregue os materiais já prontos para os apoiadores. Além disso, nas cidades com retransmissoras de TV, esses candidatos precisam produzir 3 peças para a TV por semana, enquanto os candidatos a vereadores, via de regra, aparecem apenas por alguns segundos durante toda a campanha, em peças produzidas pelo próprio diretório/organização partidária.
Quando a imprensa e parte da sociedade civil “acusam” os partidos de concentrarem os recursos em poucos candidatos desconsideram que esses “poucos candidatos” desempenham papel crucial no bom desempenho geral do partido, que parte desses recursos são direta ou indiretamente destinados a outros candidatos, e que quando as legendas alocam “mal” seus recursos, são prejudicadas frente a outros competidores. Partidos, assim como quaisquer outros agentes, precisam maximizar seus recursos, e distribuir recursos igualmente entre todos os candidatos está longe de se mostrar a estratégia ótima. Afinal, como esperar que um candidato a prefeito de uma grande cidade, uma capital por exemplo, faça campanha com o mesmo montante que um candidato a vereador de uma pequena cidade do interior?
Existe um debate legítimo sobre a necessidade de se adotar critérios mais transparentes para a alocação dos recursos públicos recebidos pelos partidos. Também é pertinente a discussão sobre como viabilizar espaço para novos quadros partidários, como diversificar o perfil médio de detentores de mandatos eletivos, em geral homens, brancos, com mais de 40 anos. Como quase sempre ocorre, não existe uma solução fácil nem obvia. Ainda assim, devemos fugir do discurso ingênuo e da tentativa de criminalizar as estratégias partidárias, que priorizam a alocação de recursos visando a maximizar seu sucesso eleitoral.
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