Luciana Santana
As duas últimas legislaturas têm chamado a atenção pelo intenso protagonismo legislativo da Câmara dos Deputados em detrimento de um Executivo frágil e reativo, em um sentido inverso àqueles que convencionalmente estamos acostumados acompanhar. O comportamento dos deputados assume um lugar central nas novas análises, mas uma variável que não pode ser descartada é o papel do presidente da Casa no encaminhamento da agenda legislativa.
Dentre outras atribuições, além de ser o segundo nome na linha de substituição do presidente da República em caso de ausência, uma das principais atribuições do presidente da Câmara é definir a pauta de votações (ordem do dia) que vai a Plenário. Costumeiramente, isso deve ser feito em conjunto com as lideranças dos partidos e bancadas que integram o Colégio de líderes. É um ator estratégico, tanto na definição da agenda legislativa quanto para inviabilizar a discussão de assuntos que não estejam alinhados às suas preferências.
E como os presidentes da Câmara no mandato atual, Rodrigo Maia (2019-2021) e Arthur Lira (2021- atual), têm se notabilizado pelo dinamismo e protagonismo legislativo? Quais têm sido os custos deste comportamento?
Maia teve papel central na aprovação de mudanças no Orçamento, como as emendas de bancada impositivas e a transferência direta de recursos para prefeituras, a aprovação da reforma da Previdência, o marco legal do saneamento e, ao longo da pandemia, nas respostas às demandas para minimizar os impactos da doença no país. Apesar de não ter acatado nenhum processo de impeachment contra o presidente, como era desejado pela oposição, não se rendeu aos encantos palacianos, buscou centrar-se em uma agenda econômica de interesse do Congresso.
A aproximação do presidente da República com os partidos do “centrão” dificultaram a eleição de um sucessor indicado por Maia e o eleito a presidência da Casa foi um de seus aliados.
À frente da Câmara, Lira tem se fortalecido nacionalmente e, como típico líder do centrão, todas as suas ações têm se voltado para a ampliação de espaço e recursos. Beneficia-se da fragilidade do presidente e da sua deficitária articulação política. É colaborativo com seus aliados, mas quer se passar por um democrata e não deixa de ouvir também aqueles que estão no lado oposto, mesmo sem a garantia de esforço em prol de suas demandas. Desde o início de seu mandato, conseguiu levar à adiante pautas de interesse do governo e de sua base aliada (e algumas também simpáticas à oposição), além de pautas muito criticadas pela opinião pública. Dentre elas estão: a independência do Banco Central, o Orçamento com a previsão de novo auxílio emergencial, os mecanismos permanentes de “shut down” (ou gatilhos fiscais), para facilitar a gestão de crises econômicas por parte dos entes federados, o novo marco do licenciamento ambiental, aprovação da MP que autorizou a desestatização da Eletrobrás e de aumento do fundo partidário eleitoral. Não satisfeito, engatou a primeira e tem buscado viabilizar mudanças eleitorais para 2022. Muitas delas, no entanto, dependem da apreciação do Senado Federal.
Se, por um lado, a proatividade de Maia também foi beneficiada pelo ritmo e necessidade da pandemia, em momentos nos quais a restrição ao debate foi imposta e não opcional, como ocorreu com paralisação dos trabalhos das comissões parlamentares. No caso de Lira, o ritmo acelerado nas apreciações e a vontade de agradar os aliados, por muitas vezes, tem atropelado as regras do jogo de forma intencional, como ficou evidente na votação da reforma eleitoral, com a inclusão do tema na ordem do dia sem discussão prévia com o colégio de líderes, e como tem sido na votação do código eleitoral, sem a previsão de discussões nas comissões.
E esse é um aspecto importante que não podemos deixar passar despercebido. A alta proatividade e produtividade do legislativo não é nosso ponto de crítica, mas o contexto no qual esse resultado tem se dado, ou seja, com a ausência deliberada de debates e atropelos no processo legislativo, situações consideradas perversas para a responsabilização e qualidade das decisões, bem como de seus resultados políticos.
Como bem nos lembra Norberto Bobbio, a democracia é o conjunto das regras de um jogo responsivo ao interesse público e responsável perante ele. E uma das condições da responsividade é a responsabilidade com o público. Quando tais condições são inviabilizadas, as chances de baixa responsabilização e déficit democrático aumentam.
Considera-se, portanto, que nossos legisladores, especialmente aqueles que estão no comando das Casas legislativas, podem e devem ser mais proativos, mas devem, antes de mais nada, contribuir para a qualidade das decisões políticas. Para isso, é necessário que o fortalecimento da participação, ampliação dos debates nas comissões e audiências, incentivar a interação entre arenas participativas e representativas, diminuindo a assimetria informacional entre cidadãos e seus representantes.
Créditos da imagem: Sergio Lima/Poder360.
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