Eduardo Seino e Fábio de Andrade Sousa
Diante das consequências trágicas impostas pela pandemia do novo coronavírus, seja no âmbito da economia ou da saúde pública – com a morte de milhares de pessoas e sem qualquer diretriz clara por parte do Ministério da Saúde, o pífio desempenho do governo Bolsonaro pode ser visto por diversos prismas. Ficaremos com a questão da dificuldade de articulação política do Executivo com o Congresso Nacional, mas utilizando como exemplo uma agenda complexa e que deve ser enfrentada sem mais protelações: a Reforma Tributária.
Existem duas Propostas de Emenda à Constituição, uma na Câmara dos Deputados (PEC 45/2019) e outra no Senado (PEC 110/2019) que, sem entrar no mérito dos conteúdos, já passaram por análises de natureza técnica e, a partir disso, alternativas aos pontos mais críticos vêm sendo debatidas.
Diferentemente do que ocorreu com a proposta de Reforma da Previdência, ou seja, quando em 20 de fevereiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes foram pessoalmente ao Congresso Nacional entregar a PEC que alterou o sistema previdenciário brasileiro, tal exercício de liderança do Executivo na agenda da reforma do sistema tributário ocorre de forma tímida. A despeito do cenário caótico que estamos vivendo, reformas estruturais, como a tributária, encontraram ambiente favorável entre atores políticos relevantes. Mais uma vez, parece que o Legislativo sacode para ver se o Executivo reage.
Assim, na última quinta-feira, dia 16, em evento de retomada dos trabalhos da Comissão da reforma tributária na Câmara Federal, deputados uniram vozes em favor do andamento da reforma. O presidente Rodrigo Maia (DEM), por sua vez, ao afirmar a importância da aprovação dessa agenda em conjunto com o Senado e o Executivo, já pressiona para que o Governo Federal envie logo a sua proposta, a fim de que possa se juntar às demais PEC nas análises.
Dentro de processos decisórios, como nos ensina Charles Lindblom[1], as ações estratégicas dos atores nos jogos do poder possuem em seus repertórios processos de interação entre os pares, ou seja, opiniões divergentes que buscam um ajuste mútuo para a existência de acordos e um reajuste da proposta inicial para algo realista, que contemple o maior número de adesões.
Nesse sentido, importante lembrar que, em uma tentativa de reaproximação, Paulo Guedes teve longa conversa sobre a reforma tributária com Maia, na quarta-feira, dia 15, sem a presença de Bolsonaro. Talvez o presidente da República tenha avaliado a pauta pouco importante e indigna da sua presença. Ainda assim, a promessa é que a proposta do Governo Federal seja enviada esta semana ao Legislativo.
O protagonismo do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), não é simplesmente uma estratégia de minar ou rivalizar com o Executivo. O problema é mais grave, porque o padrão desleixado do governo Bolsonaro abdica da essencial (mas inexistente) liderança política do presidente, que quando resolve aparecer é para dar mal exemplo ou falar bobagem. Sabemos que na política não existe vácuo. Ao contrário, existe uma demanda muito grande, mais uma vez em referência a Lindblom, de lideranças que consigam mediar conflitos de interesses e inserir suas pautas em conjunto com as demais demandas em disputa.
Ao longo das últimas décadas, o presidencialismo de coalizão conseguiu viabilizar decisões em políticas públicas importantes, tendo como marca a coordenação política do Executivo. O “desgoverno presidencial” cria empecilhos, mas não torna o sistema inoperante. Assim, enquanto durar este contexto, o Congresso Nacional tende a continuar em destaque por meio da ação de lideranças forjadas pelas circunstâncias.
Pois, como diria o provérbio capiau citado por Guimarães Rosa, em Sagarana, o “sapo não pula por boniteza, mas, porém, por precisão.” Do mesmo modo, líderes políticos não ascendem por “boniteza” ou autoafirmação, mas porque precisam se movimentar e tomar decisões (gostemos ou não).
[1] LINDBLOM, Charles Edward. O processo de decisão política. Tradução Sérgio Bath. Brasília. Editora Universidade de Brasília (UnB), 1981.
Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Poder Executivo, pandemia, coronavírus, Ministério da Saúde, Bolsonaro, Congresso Nacional, reforma tributária, Paulo Guedes, presidencialismo de coalisão, Rodrigo Maia, Governo Federal.
Comments