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E lá vamos nós de novo: passando a boiada (2ª temporada)

Carolina Corrêa



Ricardo Salles caiu; deixou o Ministério do Meio Ambiente depois de esticar a corda até o ponto máximo no que diz respeito a uma má gestão – fez cortes e reestruturações em importantes órgãos ambientais, deixou clara a intenção do governo de afrouxar as normas vinculadas à preservação do meio ambiente e, entre outras coisas, passou a ser investigado devido a um esquema de tráfico ilegal de madeira. Salles saiu de cena recebendo elogios de Jair Bolsonaro, o que já era de se esperar. O novo ministro, Joaquim Pereira Leite, tomou posse numa cerimônia muito discreta e, por enquanto, não deu qualquer tipo de declaração pública. A estratégia, pelo jeito, é manter a agenda ambiental fora dos holofotes por um tempo, todavia, a boiada segue avançando, devido, especialmente, ao apoio que as pautas do governo têm obtido no legislativo. Noutras palavras, temos um novo ministro tocando a mesma boiada, ainda com o aval da Câmara dos Deputados. É apenas a segunda temporada dessa série desastrosa.



Recentemente, no dia 3 de agosto, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 296 votos a 136, o texto base do Projeto de Lei 2633/2020, de autoria do deputado Zé Silva (SD-MG), com relatoria do deputado Bosco Saraiva (SD-AM). O projeto, chamado de PL da Grilagem, propõe uma alteração na Lei 11.852/2009 com o intuito de facilitar o processo de regularização fundiária de ocupações de terras situadas em áreas da União. A proposta passa de 4 para 6 módulos fiscais[1]o tamanho da propriedade ocupada que poderá ser regularizada com dispensa da vistoria realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).



Os partidos de oposição (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, PV e Rede) orientaram as suas bancadas a votar contra o texto base do projeto. Já as legendas PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, Solidariedade, Cidadania e Novo, orientaram seus parlamentares a votar favoravelmente. Um dos principais argumentos dos deputados que votaram “sim” resume-se no fato de que a nova lei facilitaria o processo de regularização de terras para “milhares” de agricultores e isto permitiria uma maior fiscalização e controle no sentido de saber quem é o dono da terra e, no caso de desmatamento ilegal, isso facilitaria o processo de aplicação de sanções.



Esse argumento, entretanto, incorre numa falácia, pois a legislação atual já permite esse tipo de regularização fundiária a partir do CAR (Cadastro Ambiental Rural), implementado em 2012, com a aprovação do Novo Código Florestal. Com base no georreferenciamento das áreas cadastradas, é possível realizar o monitoramento, fiscalização e controle no que diz respeito a ações de desmatamento. E o mais interessante é que a maioria dos produtores rurais do país já estão inscritos no CAR, inclusive aqueles que ocupam terras públicas. Todavia, pesquisas recentes apontam que o desmatamento dentro destas áreas tem aumentado e as punições diminuído – “os embargos e autuações realizadas pelo IBAMA até abril de 2021 atingiram apenas 2% dos desmatamentos e 5% da área desmatada identificada entre 2019 e 2020” (Relatório Anual do Desmatamento no Brasil 2020 - MapBiomas, 2021).



Assim, a prioridade, em termos de política ambiental, não é a aprovação de uma nova lei de regularização fundiária de terras públicas, mas sim o aprimoramento na implementação de uma lei e de uma política pública já existentes. É necessário investimento no monitoramento e na avaliação dessa política para que os dados que compõem a base do CAR possam ser utilizados de modo eficaz no controle do desmatamento – o que, necessariamente, envolve o fortalecimento dos órgãos que são responsáveis por esse tipo de fiscalização e punição, como o IBAMA; justamente o contrário do que tem feito o governo de Jair Bolsonaro.



De fato, esse PL da grilagem não tem potencial algum para contribuir no processo de controle do desmatamento no país, como defendem alguns parlamentares. O PL é, na verdade, uma medida que pode resultar na isenção de crime para aqueles que desmataram e ocuparam áreas públicas – e, até mesmo, estimular a continuidade desse tipo de prática. Portanto, esse projeto, apoiado pelo governo Bolsonaro, apenas facilita a vida de grileiros que atuam em áreas e florestas públicas.



A proposta segue, agora, para o Senado Federal e nesta casa legislativa existe a possibilidade de que seja apensada a outro projeto que lá tramita, o PL 510/2021 (já falamos sobre esse projeto aqui). Ambas as propostas tratam do mesmo tema, mas essa última que já tramita há algum tempo no Senado flexibiliza ainda mais a possibilidade de que imensas invasões sejam regularizadas sem qualquer tipo de vistoria por parte de órgãos públicos. Então, é mesmo provável que os projetos de lei sejam mesclados e, assim, um preocupante Frankenstein da Grilagem pode ser aprovado nos próximos meses.



Vale lembrar, num alerta e apelo final dessa que vos escreve, que grilagem é crime e ambas as propostas que, agora, tramitam no Senado Federal, visam, de certa forma, legalizar essa prática. Assim, em primeiro lugar, é importante que a sociedade compreenda o que está em jogo e se manifeste a respeito disso. Em segundo lugar, é necessário que os senadores façam aquilo que os parlamentares da oposição não conseguiram fazer na Câmara dos Deputados: fechar a porteira e barrar a boiada, isto é, rejeitar tais propostas devido a ameaça que estas representam para as florestas brasileiras. O importante é parar de “dar ibope” para esse tipo de “série” ruim.



[1] O valor do módulo fiscal no Brasil varia de 5 a 110 hectares, de acordo com cada município (para saber mais, clique aqui).




Créditos da imagem: Greenpeace

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