Leon Victor de Queiroz
O termo terceira via foi debatido durante a Guerra Fria como alternativa ao liberalismo e ao capitalismo, mas foi o sociólogo inglês Anthony Giddens que cravou o termo em suas obras célebres como “A Terceira Via e Seus Críticos”, “O debate global sobre a terceira via”, “Para além da Esquerda e da Direita” e “The Third Way: The Renewal of Social Democracy”. Nesta última, Giddens enumera os valores da terceira via: 1) igualdade; 2) proteção dos vulneráveis; 3) liberdade autônoma; 4) não há direitos sem responsabilidades; 5) não há autoridade sem democracia; 6) pluralismo cosmopolita e 7) conservadorismo filosófico.
De acordo com Carolina Boniatti Pavese, Giddens propunha “um modelo de sociedade baseado na ordem global contemporânea, que sintetizasse numa política original tanto as referências socialistas quanto as conservadoras”. Segundo a autora, Giddens se tornou o ideólogo do “centro radical”, como ela mesma escreveu.
Essa terceira via seria capaz de oferecer respostas que a dicotomia direita-esquerda não conseguiu. Há inúmeros trabalhos sobre terceira via, muitos bastante contextualizados nas realidades de seus autores. Por isso é bom relembrar um pouco as eleições a partir de 1989.
Com a redemocratização, o PT surge como a principal força de esquerda do país ao lado do PDT. O primeiro turno de 1989 fecha com Collor em primeiro (30,47%), Lula em segundo (17,18%) e Brizola em terceiro (16,51%). Já em 1994, FHC vence no primeiro turno (54,24%), com Lula em segundo (27,07%) e Enéas Carneiro em terceiro com 7,38%. Em 1998, FHC vence novamente em primeiro turno com Lula em segundo (31,71%) e Ciro Gomes em terceiro com 10,96%.
No ano de 2002, o PT encerra o primeiro turno com 46,44%, PSDB fica em segundo com 23,19 e na terceira colocação ficou Anthony Garotinho pelo PSB com 17,87%. Ciro terminou em quarto lugar com 11,97%. Já em 2006, o PT conseguiu na primeira rodada 48,61%, ficando o PSDB logo em seguida com 41,63%. A terceira colocação foi ocupada pela então senadora Heloísa Helena (PSOL) com 6,85%. Na eleição de 2010 o PT obteve 46,91% contra 32,61% do PSDB, cabendo a Marina Silva (PV) a terceira colocação com 19,33% dos votos válidos.
Nas eleições de 2014, o PT conseguiu chegar no primeiro turno com 41,59%, seguido pelo PSDB com 33,55%. Marina Silva (PSB, após a morte de Eduardo Campos, assumiu seu lugar na cabeça da chapa) ficou novamente em terceiro lugar com 21,32%.
Em 2018, é a primeira vez, desde 2002, que um partido de esquerda fica em segundo lugar. O PSL, com Jair Bolsonaro, termina o primeiro turno atingindo 46,03% dos votos, seguido pelo PT com 29,28%. Na terceira posição ficou Ciro Gomes (PDT) com 12,47%. A quarta colocação foi do PSDB com 4,76%, seguido por Marina Silva (REDE) com 1%.
Terceiras vias no contexto brasileiro vêm se mostrando bastante conjunturais com políticos de esquerda (Brizola em 1989 e Heloísa Helena em 2006), centro-esquerda (Ciro Gomes em 1998, Marina Silva 2010 e 2014 e Ciro em 2018), de centro (Garotinho em 2002) e de direita (Enéas em 1994).
É possível verificar que de 1989 a 1998 o PT teve em média 25,5% do eleitorado no primeiro turno, passando a uma média de 45,88% de 2002 a 2014. Em 2018, estando fora do poder como nos pleitos de 1989 a 1998, o PT ficou com 29,28% dos votos.
Dados do Latinobarometro (https://www.latinobarometro.org/lat.jsp) mostram que o apoio a regimes autoritários na América Latina era de 15% em 1995 e ficou em 16% em 2018. No Brasil, o apoio à democracia era de 41% em 1995 terminou 2018 em 34%. Para 41% dos brasileiros em 2018, dá no mesmo uma democracia ou uma ditadura e 14% afirmam que um governo autoritário pode ser preferível.
Ou seja, em 2022 o PT deve manter o piso de 25% dos eleitores (aqueles que votam no PT, mesmo que Lula não esteja na chapa). Do outro lado, há no mínimo 14% com Bolsonaro, mais o percentual de antipetistas que são indiferentes com relação à democracia/autoritarismo, podendo subir e muito caso a economia se recomponha. Pesquisa recente da CNT/MDA com coleta entre 1 e 3 de julho mostra Ciro Gomes com 1,7% na espontânea, diante de Lula (27,8%) e Bolsonaro (21,6%). Já na estimulada (quando o pesquisador apresenta nomes de candidatos), Lula vai a 41,3% seguido por Bolsonaro com 26,6%. Ciro Gomes aparece na terceira posição com 5,9%, tecnicamente empatado com Moro (5,9%) e à frente de João Dória (PSDB).
Já na pesquisa da XP Investimentos, quando apresentado os nomes dos candidatos, Lula tem 38%, Bolsonaro 26%, Ciro Gomes 10%, Moro tem 9%, Mandetta 3%, Dória 2%. Em um segundo cenário com Datena e o governador do Rio Grande do Sul, Ciro pula para 11%.
Claro que há mais de um ano das eleições, o cenário ainda é indefinido, onde segundo a pesquisa Genial/Quaest o percentual de indecisos é de 57% na espontânea. Quando perguntados quem prefere que vença em 2022, Lula tem 41%, Bolsonaro 24% e nem um nem outro tem 31%. Ao simularem 5 cenários, Ciro Gomes oscila entre 10% e 11% no primeiro turno.
Uma terceira via que se apresente como alternativa a Lula e Bolsonaro precisa capturar massivamente o eleitorado “nem-nem”. A matemática é simples, tanto o PT como Bolsonaro (que simboliza mais o antipetismo que qualquer outra força política) possuem em torno de 30% (sem Lula). Sem o ex-presidente na disputa a terceira via teria de conquistar pelo menos um terço do eleitorado para se viabilizar para o segundo turno. Está bastante claro que ser terceira via é um projeto coletivo, não da idealização individual do candidato mais bem colocado. É inócuo bater nos dois primeiros colocados. É preciso mostrar de forma crível que pode fazer melhor que eles, dentro de uma narrativa que a população entenda, fugindo do academicismo. Em disputas eleitorais, potencializadas pela rapidez da comunicação e do consumo cada vez mais rápido de informações, não adianta livros ou grandes manuais. Ninguém vai ler. A conexão é direta e isso exige muito esforço coletivo, pois até agora nenhum candidato que se apresente como terceira via, seja à esquerda o à direita tem sido capaz de minimamente oferecer chances de chegar ao segundo turno.
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