Eduardo Seino
A crise de saúde promovida pelo coronavírus teve impacto em múltiplos setores da sociedade e nos forçou a diversas adaptações em uma forma de viver sem contato físico e aglomerações. Do Estado, mais uma vez, são exigidas decisões rápidas e efetivas diante da urgência de resguardar-se a vida em primeiro lugar, mas sem perder de vista a diminuição dos efeitos da recessão econômica.
Entre tantas decisões a serem tomadas, surgiu a incerteza em torno das eleições deste ano, uma vez que os municípios brasileiros devem, por ora ainda em 2020, escolher seus representantes políticos aos Poderes Executivo e Legislativo, prefeitas (os) e vereadoras (es).
Dentro do Legislativo federal, surgiram algumas proposituras, como a do senador Elmano Férrer (Podemos-PI)[1] e do senador Major Olímpio (PSL-SP)[2], que visam prorrogar os mandatos dos prefeitos e vereadores eleitos em 2016 até 1º de janeiro de 2023, unificando todas as eleições em 2022. A mesma ideia é defendida pelo deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG). Sob outra perspectiva, existe a proposta do deputado federal Léo Moraes (Podemos-RO), que visa adiar o pleito deste ano para dezembro, mantendo a posse dos eleitos municipais em janeiro de 2021.
Bom lembrar que existe uma proposição mais antiga, apresentada em setembro de 2019, a PEC nº 143/2019[3], de autoria do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), assinada por 31 senadores, que alteraria a duração dos mandatos municipais a partir de 2020, passando para seis anos, de modo a unificar as eleições em 2026.
Comecemos opinando que decidir por prorrogar mandatos, neste momento, unificando as eleições em 2022 não é o caminho. Além de soar e ser casuístico, desvaloriza uma discussão muito mais complexa, qual seja a realização das eleições federais, estaduais e municipais de forma simultânea.
Sobre a possibilidade de realização das eleições em dezembro, o problema é que, nos casos onde não ocorra a reeleição, uma eventual transição de governo sofreria impacto bastante negativo, se mantida a data de posse para início de janeiro. Poder-se-ia dizer que os locais onde de fato acontecem transições de governo são minoritários. Ora, diante disso, então, a melhor saída seria punir aqueles que fariam o dever de casa corretamente, de forma republicana, inviabilizando um tempo adequado para que essa transição aconteça? Nesse sentido, há de se atentar e garantir um intervalo razoável entre resultados eleitorais e início de nova gestão.
Entrando na discussão da unificação do calendário eleitoral, um argumento contrário recorrente supõe que, se as eleições dos três níveis federativos ocorressem em conjunto, as pautas municipais seriam suplantadas pelas pautas nacionais e estaduais. Não me convence.
Como diz a célebre frase, o cidadão “não mora no Estado, na União, mora no município, onde se dá todo o processo político”. Existe uma tendência equivocada de menosprezar a compreensão dos cidadãos da realidade local, sendo que as pessoas conhecem muito mais os problemas da cidade, devido à sua materialidade e presença no cotidiano. Regra geral, a responsabilidade por resolver a demanda reprimida em creches, as filas dos atendimentos médicos especializados ou a ausência de remédios nas farmácias públicas recaem sobre prefeitos e vereadores, embora a maioria das políticas sejam compartilhadas com os demais entes federativos. Não só os cidadãos conhecem os problemas locais – lembremos que a maioria dos municípios brasileiros são pequenos – como conhecem os candidatos, muitas vezes, pessoalmente.
Já aderi outrora ao argumento que afirma ser mais saudável para a democracia os cidadãos irem às urnas com maior frequência, considerando que o efeito educativo do voto entraria em ação de dois em dois anos em vez de a cada quatro anos e, além disso, o debate público seria mais qualificado. Penso que colocar o peso e a responsabilidade por uma educação cidadã na frequência de comparecimento às urnas é errar o foco do problema. A vida na democracia acontece todos os dias, por meio dos fatos políticos e das políticas públicas, e os cidadãos interagem com isso e participam de diversas maneiras. Se existe déficit de cultura democrática, falta de clareza acerca dos procedimentos institucionais e compreensão equivocada das funções de cada Poder e nível federativo, isto se deve à ausência de uma preparação educativa dos cidadãos nesse sentido. Não é razoável colocar esta atribuição no colo da eleição.
É evidente que a regra de ouro da democracia são as eleições, mas um fato é inegável e não se trata de justificativa frágil: o processo eleitoral tem como consequência uma desaceleração do funcionamento da máquina pública na medida em que desvia a dedicação exclusiva dos agentes políticos do andamento das políticas. Em outras palavras, quando as eleições se aproximam, o tempo e o desempenho de quem está operando as políticas públicas é dividido. Se, em um determinado período, isto acontece duas vezes ao invés de uma, dobra-se a duração da anestesia na máquina pública. Quem é o maior afetado nessa história?
Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Poder Executivo, eleições 2020, eleições municipais.
Comments