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Eleições 2020: novidades nas regras, incertezas na disputa

Bruno Silva e Marcelo Augusto Melo Rosa de Sousa

As Eleições Municipais de 2020 serão realizadas em um momento atípico mundial, o da pandemia da COVID-19. Não que eleições inabituais sejam novidades para nós, brasileiros. Basta pensar um pouco a respeito. Os pleitos municipais têm se convertido em espécie de “laboratórios” para a experimentação de ideias mirabolantes que partem da eterna síndrome reformista presente nos Poderes em Brasília. Já havia sido assim em 2016 – com o fim do financiamento privado para as campanhas em um contexto de processo de impeachment presidencial com todos os olhares voltados para a política nacional – e será, novamente, agora em 2020. Em termos práticos, a pandemia provocada pelo novo coronavírus produziu a necessidade de alteração completa do calendário eleitoral, além de gerar incertezas em relação à realização do processo como um todo.



A começar da necessidade da Justiça Eleitoral de convencer os mais de 1,5 milhões de cidadãos que atuarão como mesários de que será seguro sair dos seus lares para passar o dia todo nos locais de votação. Sem contar a tarefa dos partidos e candidatos de persuadir os eleitores a irem às urnas votar, posto que há recomendação explícita tanto para os que estiverem com sintomas da covid-19, quanto para os que tiverem contraído o vírus nos últimos 14 dias antes das eleições, a não saírem das suas casas. A justificativa poderá ser feita posteriormente, sem grandes dores de cabeça. Traduzindo em bom “brasilianês”: grandes possibilidades de abstenção elevada.



A respeito das mudanças no calendário eleitoral, destaque para a promulgação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional nº 107/2020, a qual alterou a realização das eleições municipais deste ano. O primeiro turno ficou para o dia 15 de novembro (salvo em alguma localidade que não possuir condição sanitária para ser realizada a votação). Enquanto o segundo turno tem data marcada para 29 de novembro nos municípios em que pode vir a ocorrer. Nesse caso, apenas quando nenhum dos candidatos à prefeito na disputa obtiver 50% + 1 do total de votos válidos no primeiro turno em cidades com mais de 200 mil eleitores. Isso representa, em termos nacionais, apenas 95 municípios (1,7%) em um universo de 5.569 nos quais ocorrerão eleições municipais.



Contudo, estas eleições tendem a ser diferentes das anteriores não apenas em função da pandemia e da mudança no calendário, mas também por conta da alteração nas regras eleitorais. É a velha máxima: se há novas regras, certamente novos comportamentos surgirão. Isso porque a legislação eleitoral aplicada nas últimas eleições municipais de 2016 já sofreu importantes alterações, em relação às quais chamamos a atenção para as seguintes medidas:



1. Fim das coligações para as eleições proporcionais, trazida pela Emenda Constitucional nº 97/2017, levando os partidos a terem que organizar sozinhos suas listas de candidatos, sendo que cada sigla poderá lançar até uma vez e meia o total de vagas das câmaras municipais como candidatos. Exemplo: em uma cidade cuja câmara possua 10 cadeiras de vereador, cada partido no município poderá lançar até 15 candidatos à vereança. Na hipótese de todos os partidos lançarem o total de candidatos permitidos, estaríamos falando em 480 candidatos, posto que possuímos 32 partidos registrados atualmente. Não que isso ocorrerá em todos os lugares, até porque sabemos das diferenças em termos de capilaridade entre os partidos – a minoria deles possui organização efetivamente nacional a ponto de chegar em quase todos os municípios – ainda assim, este fator não é desprezível posto que poderemos estar diante de um pleito que pode facilmente ultrapassar os quase meio milhões de candidatos a vereador que já tivemos nas eleições de 2016;



2. Uso de recursos próprios pelos candidatos até o total de 10% dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer, conforme previsto na Lei 13.488/2017 cujos limites de gastos para as eleições 2020 foram recentemente divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para cada município[1];



3. Fim das doações de pessoas jurídicas para candidatos e partidos políticos (STF na ADI 4650). Vale lembrarmos que o Congressos Nacional em 2017 criou o chamado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o qual se popularizou como “Fundão Eleitoral”, na casa dos R$ 2 bilhões de reais. O Fundo tem origem no Tesouro Nacional, sendo distribuído pelo TSE aos partidos políticos, os quais através de suas direções nacionais são responsáveis pela definição de critérios internos para a destinação aos seus candidatos. Nesse aspecto, vale salientar que precisa ser observada a distribuição obrigatória de 30% do total desses recursos de cada sigla para o financiamento das candidaturas do sexo minoritário, infelizmente sempre identificado com as candidaturas femininas, regra esta que passou a valer a primeira vez nas eleições nacionais de 2018. Ademais, importa frisar que os candidatos e candidatas deverão requerer aos seus partidos o recebimento de tais valores conforme ainda definido na Lei 13.488/2017;



4. Possibilidade de que os candidatos e candidatas realizem arrecadação de recursos por meio de financiamento coletivo de pessoas físicas (vaquinha virtual). Nesse caso, somente sendo possível por intermédio de entidades (pessoas jurídicas) que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo através de sítios na internet, aplicativos eletrônicos, bem como outros recursos similares, desde que atendam aos requisitos listados no art. 23, § 4º, IV, da Lei n.º 9.504/97 e da Lei 13.488/2017;



5. Permissão para a realização de impulsionamento de conteúdos nas redes sociais, desde que sejam contratados diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país. Contratação, esta, restrita somente a candidatos e partidos políticos, sendo proibida ao eleitor em favor do candidato de sua preferência.

6. Quanto a propaganda eleitoral, será permitida por meio de adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda 0,5 m². Vale lembrarmos que desde o advento da Lei 11.300/2006 proibiu-se a realização de showmício e a distribuição de brindes pelos candidatos, como bonés e camisetas, por exemplo.



Dentre as mudanças destacadas, vale ainda acrescentar que a realização das campanhas eleitorais tende a ser menos baseadas em práticas como o “porta a porta” e o contato direto com o povo pelas ruas. Ao menos é o que se espera de candidatos que tenham minimamente responsabilidade frente a pandemia que assola o país, evitando-se assim aglomerações. Ademais, a proibição das coligações coloca em destaque a disputa para os Legislativos Municipais, cuja dinâmica de competição pelas mais de 57 mil cadeiras em 2016 havia levado a uma média de 4,6 chapas de vereadores por município, conforme dado apresentado em trabalho acadêmico de Humberto Dantas e Bruno Silva[2], e que pode ser bem mais pulverizada neste ano. Portanto, a tônica das eleições 2020 já está dada: mudanças nas regras, incertezas na disputa.

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