Vítor Oliveira
O presidente Jair Bolsonaro definiu ontem (29/03) a troca de comando em seis ministérios. Mudanças pouco usuais em sua forma e que não parecem à altura do desafio de conciliar as contradições de seus apoiadores, da suposta base aliada no Congresso até os grupos de interesse mais radicais.
Nesse momento histórico, vivemos a era do “Centrão” – essa entidade amorfa que personifica o fisiologismo do sistema político brasileiro, mas que não está sob a responsabilidade de ninguém. Seu expoente é Arthur Lira (PP/AL), enquanto os nomes de seus líderes são tantos que nos perdemos.
Há alguns séculos, contudo, o manual de como utilizar o Poder Político para formar governos começou a ser escrito. Maquiavel, em sua alegoria sobre as escolhas estratégicas que um governante pode ter, nos dizia que a Fortuna, a deusa do destino, “...manifesta o seu poder onde não há forças organizadas (virtú) que lhe resistam”.
Volta e meia retornamos ao clássico, pois quando avaliamos a presidência de Jair Bolsonaro, é inevitável imaginar que seu governo, sem os alicerces das instituições e seus incentivos para a cooperação, está a um passo do colapso.
A Virtú e os Mercenários
Já escrevi várias vezes, nesse mesmo espaço do Legis-Ativo, sobre uma forma de analisar as preferências de políticos e partidos, dividindo-as na busca por Recursos de Governo (Office Seeking), Políticas Públicas (Policy Seeking) e Votos (Vote Seeking).
Quando falamos do “Centrão”, remetemos à preferência pelo controle de recursos de governo que não apenas este, mas todos os grupos de interesse no entorno da Presidência da República possuem – militares, “ideológicos”, evangélicos, terraplanistas, faria limers...
Sob a lógica do Governo Representativo, não se implementa política pública sem cargo e recurso; também não se continua a fazer isso sem voto. A deputada Flavia Arruda (PL/DF), alçada à condição de coordenadora-mor da República, terá a dura missão de fazer a interlocução do Planalto com o Legislativo, como se sua simples nomeação fosse suficiente para aplacar todos estes interesses.
E o que Maquiavel tem a ver com isso? Sem construir diques e barricadas, ficará difícil lidar com a enchente. Não sabemos quando ela vem, apenas que pode vir. É dos remédios amargos e, talvez, fatais de que falamos, como mencionou o próprio Lira.
Bolsonaro escolhe não jogar pelas regras do presidencialismo de coalizão; não impede a morte dos brasileiros pela COVID-19, tampouco os impede de morrer de fome. Incapaz de construir uma base orgânica em número suficiente no Congresso, resolveu formar sua armada com forças mercenárias do tal de Centrão.
Não obstante sua dependência de tais forças, resolveu tratá-las como coadjuvantes na composição do Ministério. Ante a demanda pelo controle de políticas públicas, responde com a Secretaria de Governo e modificações cosméticas. Inevitável a geração de um passivo político colossal, com juros compostos, amortizado apenas pela expectativa de poder que seu nome gera entre deputados e senadores.
Essa não é a Virtú que se espera de um presidente. Quanto mais próximos estivermos de 2022, menos as migalhas dos ministérios bastarão para conter a fome por cargos, políticas públicas e votos. E mais Bolsonaro dependerá da Fortuna para sobreviver. Até as próximas eleições, há tempo de sobra para que sua roda gire.
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