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Gláucio Ary Dillon Soares: a história resiste

No dia 14 de junho de 2021, o cientista político Gláucio Ary Dillon Soares faleceu aos 86 anos, vítima de complicações decorrentes da covid-19. Ele foi um dos mais importantes pesquisadores sobre a ditadura militar brasileira, mostrando o quanto a história deve ser lembrada. Como forma de recordar a sua importância, o blog Legis-Ativo deixa a sua homenagem.


Humberto Dantas: Gláucio era um acadêmico fundamental. Meu objeto de pesquisa, as coligações, contou com um seminal trabalho dele sobre o período 46-64. Por isso o tive em minha banca, em dezembro de 2007, com muita honra. Mas dele não ganhei apenas o brilhantismo acadêmico, mas sim um gesto que passou a me acompanhar na vida: a emoção em atos formais. No início de minha defesa, minha orientadora, infelizmente já bastante doente, começou a chorar ao falar com carinho dos amigos que ali estavam. Ele a interrompeu sutilmente, e disse com muito respeito: "que mundo é esse em que a gente precisa se desculpar por demonstrar uma emoção legítima e sincera? Não tem que pedir desculpas por nada. Você é uma pessoa incrível. E todos nós a admiramos demais". A partir de então, a despeito da condição formal em que eu me encontre, sempre que tenho algo a dizer de generoso, sincero e bonito para alguém, eu digo. De preferência em público, para que se saiba que neste mundo duro da academia há muito amor, carinho e respeito entre humanos.


Vítor Sandes: O prof. Gláucio Soares sempre foi uma referência profissional e acadêmica. Apesar de nunca ter sido seu aluno, tive a oportunidade de ouvi-lo algumas vezes. De uma forma muito leve, suas contribuições foram fundamentais para minha formação como professor e pesquisador. Não por acaso seu artigo, já clássico, “O calcanhar metodológico da Ciência Política no Brasil”, é leitura obrigatória em minhas disciplinas de desenho de pesquisa e de metodologia. Outro clássico, “Sociedade e política no Brasil”, assim como o seu “A Democracia Interrompida”, trouxeram reflexões fundamentais para compreender de forma mais profunda a política brasileira. A história da Ciência Política brasileira se confunde com a própria história do prof. Glaucio. Estamos todos enlutados com a sua partida.


Joyce Luz: Ainda em 2015, recém ingressante no mestrado em Ciência Política, tive o privilégio de ouvir e ver pessoalmente o professor Gláucio Soares. Em um ciclo de seminários, organizado totalmente por estudantes de pós-graduação, Gláucio Soares encerrou o evento dizendo que os jovens eram a esperança do reconhecimento da importância da Ciência Política. Foi este professor que me ensinou ao longo da minha formação que o rigor e o saber científico eram indispensáveis para a construção de pesquisa e de uma pesquisadora na área da Ciência Política. É este professor que me dá a tranquilidade e a segurança necessária, em uma ciência cada vez mais quantitativista e em uma sociedade cada vez mais negacionista, para assumir que minha pesquisa de doutorado bebe e se envereda pelos métodos qualitativos e quantitativos. Obrigada por me permitir sonhar e tornar o sonho da minha tese possível, professor Gláucio Soares. O Brasil e a Ciência Política com certeza perderam um verdadeiro e grande mestre!


Graziella Testa: Numa referência um pouco mais pessoal, sempre me surpreendeu a dimensão humana que tinha esse grande pesquisador. Quando eu estava no início do mestrado sempre me ligava e aceitava minhas caronas do Gol mais velho do Distrito Federal (e ajudava a esfriar o motor quando não andava). Era rígido e metódico ao comentar meus projetos. A primeira vez que lhe apresentei meu projeto de mestrado, apaixonada e entusiasmada pelo tema, ele me olhou muito sério e disse "não se sustenta". Apesar disso, nos momentos em que não tive confiança na minha capacidade e no meu trabalho, Gláucio sempre me dizia que a Ciência Política não poderia perder uma profissional como eu. Mais tarde fui saber que eu não era tão especial assim e ele teve esse papel de incentivador com vários colegas da minha geração e da geração acima da minha. Além dos seus 134 artigos, 43 capítulos e 11 livros e do programa que resultou no respeito à faixa de pedestres no Distrito Federal, Gláucio deixa um legado inestimável no papel que generosamente exerceu na formação de jovens politólogos e na cultura de uma pesquisa ao mesmo tempo rigorosa e inserida na sociedade. Sempre que algum pesquisador mais jovem me pede conselho para escolher o orientador eu digo para olhar onde estão seus orientandos. Nos centros de ponta, o rigor e a excelência são a regra, mas a generosidade é para poucos.

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