Texto escrito no âmbito da disciplina de Análise Política, de autoria de Pedro Tomas Massucatto e Thiago Morais de Oliveira, pós-graduandos em ciência política na FESP-SP.
No dia 12 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou, por 337 votos a 110, o Projeto de Resolução 84/19, que altera o Regimento Interno de forma a desidratar o chamado “kit obstrução”, conjunto de dispositivos utilizados para protelar o processo legislativo quando não há acordo sobre a matéria. A aprovação da proposta só ocorreu após negociações entre o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), o relator, vice-presidente Marcelo Ramos (PL-AM), e partidos de oposição ao governo. Ramos chegou a incorporar demandas dos parlamentares no texto, mas o resultado ainda foi considerado um retrocesso para o direito de a minoria se manifestar.
Os instrumentos do kit obstrução são parte da estratégia utilizada pelos parlamentares em ambas as casas, tanto por governistas quanto pela oposição. No Senado, a minoria alinhada ao governo utilizou tais dispositivos para tentar barrar a instalação da CPI da Pandemia. Já na Câmara, partidos de oposição ao governo costumam aplicar estratégias semelhantes para impedir o avanço de projetos de interesse do Planalto, especialmente, os que compõem a esfera econômica e estão mais alinhados à maioria parlamentar. Há casos recentes em que a minoria barrou o andamento de projetos, como o que previa a compra de vacinas pela inciativa privada, e outros em que nem o kit obstrução foi capaz de impedir a aprovação, como o PL do Licenciamento Ambiental.
Dentre as principais mudanças no regimento, é importante destacar que as sessões legislativas não terão mais um prazo máximo de seis horas, sendo prerrogativa do presidente da sessão determinar sua duração quando julgar necessário. Com isso, o responsável por conduzir a sessão não precisará refazer as prerrogativas necessárias para cada reinício de sessão, como a verificação de quórum e a orientação de bancadas, o que contribuirá para a celeridade da tramitação dos projetos. Com o acordo entre governistas e oposição, a sessão poderá ser suspensa uma vez e não poderá ser retomada no mesmo dia.
Outro ponto controverso da resolução impede que parlamentares apresentem requerimentos de retirada de pauta quando uma proposta estiver tramitando em caráter de urgência ‘urgentíssima’. Se todos os pareceres já tiverem sido emitidos, a proibição se estende aos requerimentos de adiamento da discussão. Dispositivos como tempo de fala, votação de destaques e apresentação de substitutivos também sofreram desidratações para acelerar o processo legislativo.
Sob a justificativa de que haverá ganho de produtividade, as mudanças no regimento dificultarão a atuação de minorias dentro do Parlamento. Ainda neste ano, será possível identificar o impacto que o processo regimental terá para o debate de pautas importantes no Congresso, em um contexto em que florescem as discussões sobre novas regras eleitorais e partidárias para o pleito de 2022. Projetos como o voto impresso e o sistema do “Distritão” têm sido encampados pelo deputado Arthur Lira na Câmara e, recentemente, ganharam espaço no debate. Tanto para as mudanças no kit obstrução, quanto para a minirreforma política, vale a máxima: “Pau que bate em Chico, acerta Francisco”. Quem se beneficia está, hoje, na posição de situação e compõe a maioria. Resta saber qual caminho parlamentares e partidos irão traçar para se manterem na maioria, independente do governo A ou B. Pelo histórico, parte dos integrantes do centrão souberam se adaptar às diferentes ocasiões. Com a obstrução desidratada, surge um incentivo a mais para todos quererem fugir da posição de minoria.
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