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Lei Aldir Blanc: do pontual ao permanente #DerrubaoVeto

Eduardo Seino e Gabriela Fontana




É muito satisfatório quando encontramos motivos para reconhecer uma boa atuação do Parlamento. Este foi o caso da Lei Federal nº 14.017, de 29 de junho de 2020, mais conhecida como Lei Aldir Blanc, que nasceu na Câmara dos Deputados[1], subscrita por diversos deputados federais, majoritariamente de esquerda, mas que ganhou ampla adesão do Legislativo federal.



A Lei Aldir Blanc foi criada com o objetivo de implementar medidas que socorressem o setor artístico e cultural financeiramente – o total destinado ao setor foi de R$ 3 bilhões – tendo em vista o impedimento de suas atividades diante das recomendações sanitárias de isolamento e distanciamento social. Assim, a legislação viabilizou um repasse de dimensões sem precedentes do governo federal para o setor cultural e atingiu toda a capilaridade do país, alcançando mais de 4.000 municípios.



Diversos municípios com menos de 5.000 habitantes, que nem sequer tinham Secretaria de Cultura, pela primeira vez, tiveram a oportunidade de estruturar uma política que atendesse minimamente o setor nesse período de crise, fomentando a cultura local e impactando trabalhadores que estão na ponta da cadeia produtiva, até o momento invisibilizados e desconsiderados em políticas culturais estruturantes, tais como: ribeirinhos, indígenas e quilombolas.



Assim, em resumo, a Lei estruturou-se em três pilares: 1) Renda emergencial mensal de R$ 600,00 (seiscentos reais) para profissionais da arte e cultura, nos mesmos moldes do auxílio emergencial mais abrangente que já estava em vigor, que foi gerenciado pelos governos estaduais; 2) Subsídio a espaços culturais, viabilizando o pagamento de custos fixos de manutenção como aluguel, água, luz, internet, entre outros, que foi gerenciado pelos governos municipais; 3) Editais para aquisição de serviços vinculados ao setor cultural, que foram gerenciados por governos estaduais e municipais.



Depois de promulgada a lei, estados, municípios e o setor contemplado ficaram ansiosos por uma regulamentação federal que esclarecesse uma série de pendências da legislação. Porém, somente em 17 de agosto, transcorridos 49 dias, foi publicado o Decreto Federal nº 10.464/2020, o qual frustrou muitas expectativas, uma vez que praticamente copiou a Lei Aldir Blanc e detalhou pouco como o recurso seria operacionalizado.



Nesse intervalo, os municípios atualizaram seus cadastros de cultura e recorreram a fóruns de discussão de gestores de cultura, assessorias jurídicas e algumas lives institucionais para conseguirem formular uma regulamentação e publicarem seus editais. Muitos municípios ficaram para trás devido à ausência de orientações claras da União combinada ao curto espaço de tempo para aplicar os recursos. Alguns deles conseguiram publicar seus editais ao final de ano e foram auxiliados pela Medida Provisória nº 1.019, de 29 de dezembro de 2020, a qual possibilitou que os recursos empenhados em 2020 pudessem ser gastos em 2021.



No entanto, outra parcela significativa de municípios aplicou o recurso, mas ainda sobraram recursos em conta. Como a referida MP foi publicada pelo Executivo federal apenas em 29 de dezembro, estes municípios não puderam se planejar para lançarem novos editais. Por isso, surgiu uma forte demanda pela prorrogação do uso dos saldos remanescentes, que acabou culminando no Projeto de Lei nº 795/2021[2], de autoria do senador Wellington Fagundes (PL-MT).


No final de abril, o PL nº 795/2021 foi aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado para a sanção presidencial, a fim de que pudesse ser efetivada a prorrogação do prazo para utilização dos recursos remanescentes da Lei Aldir Blanc que permanecem nos cofres dos entes federativos. No entanto, mesmo com a aprovação da referida prorrogação pelo Tribunal de Contas da União – TCU nesta terça, dia 12, o Executivo federal vetou parcialmente o projeto de lei, ontem, dia 13, impossibilitando a reutilização dos saldos[3]. A luta do setor cultural, estados, municípios e Legislativo federal, agora, direciona-se à derrubada do veto presidencial.


A despeito da urgência da derrubada do veto, a questão essencial é que essa legislação voltou a unir o país em torno da cultura. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada em 2019[4], são 5,2 milhões de trabalhadores atuando no setor[5], sendo que aproximadamente 2,4 milhões não têm carteira assinada. Nesse sentido, a Lei Aldir Blanc deve ser vista menos como um auxílio pontual em um contexto de emergência e mais como uma oportunidade para reorganizarmos a política de fomento à cultura em nosso país. Com ela provou-se que é possível fazer os recursos da cultura chegarem à ponta, descentralizando a função de aplicá-los para os municípios.



Ao tornar este modelo permanente, as transferências do Fundo Nacional de Cultura, que poderiam seguir o mesmo formato utilizado pela Lei Aldir Blanc, fortalecerão, a longo prazo, a oferta de atividades culturais para a população e, mais do que isso, gerarão renda aos profissionais da cultura e desenvolvimento da economia local com mais recursos no município.



Com base nas dificuldades de gestão oriundas dessa experiência, deverão ser estruturadas legislações e normativas mais claras, objetivas e simples, que facilitem o emprego dos recursos. Já vimos acontecer em outras áreas, como na educação. Esta oportunidade não pode ser perdida. E, enquanto isso, esperamos que o Legislativo possa, mais uma vez, nos dar motivo de orgulho, dizendo: #DerrubaoVetoPL795.











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