Lara Mesquita
2021 não fugiu a regra dos “anos ímpares” e mais uma vez o debate sobre reforma eleitoral está em voga. Há menos de uma semana, Joyce Luz e Rodney da Silva Amador publicaram nesse mesmo espaço um artigo sobre voto impresso, tema da vez ao lado da mudança do sistema eleitoral e da adoção de federações partidárias.
O debate sobre mudança do sistema eleitoral é o mais antigo e recorrente, e desde 2017 gira em torno do Sistema de Voto Único Não Transferível (SNTV), também chamado de “distritão”. Nesse sistema são eleitos os candidatos mais votados de acordo com o número de vagas em disputa em cada estado. Por exemplo, para o cargo de deputado federal, no estado de São Paulo seriam eleitos os 70 candidatos mais votados; no Espírito Santo, seriam os 10 candidatos mais votados e assim por diante. Aos olhos dos deputados 1) esse sistema traria poucos riscos a suas chances de sobrevivência política (em um exercício simples, ordenando os 70 deputados mais votados em São Paulo em 2018, apenas 7 cadeiras mudariam de mãos no estado se o sistema fosse o distritão. Isso assumindo que partidos e eleitores se comportariam da mesma forma), e 2) aumentaria sua independência em relação aos partidos. Segundo a interpretação da Justiça Eleitoral, a cadeira só pertence ao partido nos cargos eleitos sob a regra proporcional, quem se elege sob a regra majoritária, “contando apenas com os próprios votos”, pode mudar de partido sem correr nenhum risco de perder o mandato.
Ou seja, o distritão enfraqueceria ainda mais os partidos e, ao que tudo indica, em distritos tão grandes quanto os brasileiros, colaboraria com o aumento/manutenção da alta da fragmentação legislativa. Qual benefício esse sistema traria para os eleitores, para a governabilidade e para a democracia brasileira? Isso é um mistério.
O segundo ponto da reforma eleitoral em discussão atualmente, as federações partidárias, ressurgiu na última semana, com a aprovação do pedido de urgência na sua tramitação. Com a adoção desse mecanismo, partidos poderiam se unir e formar uma federação. Isso significa que não só concorreriam eleitoralmente unidos, como um único partido, mas teriam que atuar no Poder Legislativo de forma única: uma única bancada, um único líder. Além disso, as federações são nacionais, os seja, dois partidos que se unissem em uma federação o fariam nos 26 estados e no distrito federal, e atuariam de forma unitária em todas as disputas eleitorais, e não apenas para deputado federal. Os pequenos partidos de esquerda, ameaçados pela cláusula de desempenho que pode impedi-los de acessar recursos públicos após a eleição de 2022 são os maiores entusiastas da aprovação dessa legislação. Esperam, assim, poder continuar acessando o fundo partidário e a propaganda nem TV sem terem que se fundir de forma permanente com outras legendas, garantiriam algum grau de autonomia.
Por fim, o debate sobre o voto impresso (e não o voto em papel, como praticado no Brasil antes da universalização das urnas eletrônicas em 1998) tem origem numa suspeita infundada do Presidente da República. Entre muitos dos seus delírios completamente infundados, o presidente acusa as urnas de serem “viciadas”, não contarem os votos de acordo com a preferência declarada pelos eleitores na urna, e que seria preciso se imprimir o voto dado” e depositá-lo em uma urna física para garantir que o resultado da eleição fosse confiável. Trata-se de delírio bolsonaresco pois não existe nenhuma evidência de tal fraude. O presidente que faz a acusação não só foi eleito presidente e viu 3 de seus filhos serem bem-sucedidos nas urnas sob esse modelo, como ele próprio foi eleito em pleitos anteriores neste mesmo sistema. Fosse o sistema viciado, dificilmente teria permitido tanta alternância de poder como vimos no Brasil nas últimas décadas, e essa alternância se refletiu em todas as esferas federativas: em cidades, nos estados e no governo federal.
Trata-se de tentativa do presidente de incutir dúvida sobre a legitimidade e correção das nossas eleições com o único objetivo de atacar a democracia brasileira. Não existe democracia sem eleições livres, justas e competitivas. Para piorar, na última semana o PSDB decidiu se juntou ao time dos defensores da aprovação de tal medida, que além do mais seria tecnicamente impossível de ser posta em prática antes do pleito de 2022.
Como disse o professor Jairo Nicolau, o conjunto de regras em vigor atualmente, resultado das reformas de 2017, é o melhor que já tivemos no Brasil e não há por que as mudar agora. Inovador mesmo seria termos algumas eleições consecutivas sem mudança nas regras, deixar que eleitores e líderes políticos entendam os efeitos das regras vigentes e que definam as melhores estratégias eleitoras para serem bem-sucedidos sob elas.
Muitas mudanças simultâneas no conjunto de regras que regem as eleições vão contribuir para aumentar a incerteza sobre o resultado eleitoral, e que pode gerar mais desconfiança dos eleitores com relação à lisura dos resultados proclamados. Nesse cenário, cabe questionar o que parlamentares, especialmente o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, esperam ganhar ao colocar água no moinho do presidente de aumentar as incertezas sobre o processo eleitoral brasileiro. Um presidente com forte viés autoritário, se conseguir emplacar a ideia de eleições fraudulentas e não reconhecer o resultado do pleito, vai demorar quanto tempo até fechar o Parlamento, o mesmo que ele brada recorrentemente aos quatro ventos que não o deixa governar?
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