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Não vamos negociar nada! Será?

Bruno Silva

Governos buscam construir uma base de apoio parlamentar aqui e alhures. No caso do sistema presidencialista, no qual a chefia de governo e de estado reside sobre o mesmo cargo, espera-se que um mandatário ao Executivo queira construir um governo. Veja bem: queira. E quando ele não quer?


Parece conversa de gente maluca, mas não é. Obviamente, em condições nas quais o presidente começa a construir o seu governo, ao perceber que automaticamente não detém maioria no Parlamento, dado o fato do sistema ser multipartidário e altamente fragmentado, engendra esforços para negociar com os demais partidos a fim de estabelecer uma coalizão no Legislativo. Ou seja, senta para conversar com lideranças das demais forças políticas e, em troca do apoio parlamentar oferta cargos, negocia projetos e políticas públicas, desenha a maneira como pode ocorrer o compartilhamento de poder com os correligionários em ministérios e áreas de proximidade das preferências dos partidos e da preferência do governo, etc. De forma resumida, faz política.


No atual caso brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro foi eleito tendo como mote de campanha acabar com o que convencionou chamar de “toma lá, dá cá!” e práticas da “velha política”. Pois é, Bolsonaro, desde o início, confundiu um traço institucional brasileiro – o presidencialismo de coalizão – com a corrupção em si. Ao estabelecer essa relação, colabora para o desentendimento da população brasileira a respeito da importância do Congresso na construção da agenda de políticas públicas e, acima de tudo, para a própria democracia. Mais que isso: contribui para a demonização da política e para insuflar os apoiadores raivosos contra o Parlamento em si. Fato este bem evidente no último final de semana quando o presidente interagiu com manifestantes que pediam o fechamento do Congresso e do STF por meio da edição de um novo AI-5.


Mas a realidade, mais uma vez, bateu à porta. Sem o fazer política não há salvação. Após repercussão muito negativa das ações de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), elevou o tom ao dizer: “Não temos tempo a perder com retóricas golpistas. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo”. Para bom entender, meia palavra basta. No entanto, não foi a reação de Maia que contribui para isolar ainda mais o governo no tablado político de Brasília. Reações contrárias por parte das Forças Armadas, ministros do STF e panelaços em capitais contribuíram para o presidente iniciar uma mudança de atitude. Será?


No início dessa semana, já haviam manchetes destacando que Bolsonaro começava a se aproximar mais de lideranças partidárias e líderes no Congresso do grupo fisiológico conhecido como “centrão”. O presidente chegou a compartilhar em suas redes sociais uma live do ex-deputado federal, cassado em 2005, Roberto Jefferson (PTB), na qual havia dito que estaria em curso um golpe por parte de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre em relação ao presidente. No fundo, sabemos o que está em jogo: a disputa pelas eleições das mesas diretoras da Câmara e Senado para 2021, em relação às quais o governo precisa ter influência sobre o processo se quiser manter o presidente até o final do mandato.


Ademais, Bolsonaro intensificou nos últimos dias reuniões com deputados do MDB, PROGRESSISTAS, PL, REPUBLICANOS, PTB, PSD e SOLIDARIEDADE. Somados, estes partidos controlam hoje 221 cadeiras no Legislativo. Uma quantidade nada desprezível para um governo que, em plena pandemia, quando por meio da sua liderança na Câmara dos Deputados orientou voto contrário ao repasse de recursos para o socorro aos estados e municípios, contou com apenas 70 parlamentares ao seu lado. Detalhe: tais partidos tiveram nessa votação mais de 80% de suas bancadas votando de acordo com a orientação da liderança partidária. Ou seja, por mais que o governo até possa tentar atacar no varejo, talvez comece a entender que negociações precisam ser feitas no atacado. É negociando com os líderes que pode vir a ter os parlamentares ao seu lado. Senão os custos são muito altos. Fora isso, a proximidade do Parlamento em relação à preferência do governo era maior quanto a pauta econômica, com maior proximidade do ministro Paulo Guedes em relação a Maia. Pelo menos foi o que ficou do ano legislativo de 2019.


Noticias de ontem mostram que o presidente ofereceu a políticos do PROGRESSISTAS uma das vice-presidências da Caixa e o controle do FNDE. Além disso, Bolsonaro já recebeu Ciro Nogueira (PROGRESSISTAS), Gilberto Kassab (PSD), Marcos Pereira (REPUBLICANOS) e Wellington Roberto (PL) no Planalto. Há também sinalizações para o retorno das conversas com o DEM, embora com a demissão de Mandetta e os ataques endereçados ao Congresso, nas figuras de Maia e Alcolumbre, tornou-se evidente maior desgaste na relação do presidente com o partido. Ainda assim, Teresa Cristina (Ministra da Agricultura) e Onyx Lorenzoni (Ministro da Cidadania), a despeito de estarem no governo por cota pessoal e não partidária, são quadros do DEM, sugerindo que alguma interlocução existe.


Diante de tal impasse, o que prevalecerá? O “morde e assopra” do presidente? Uma postura republicana dos parlamentares de tais partidos, negando-se a entrar no governo e sustentando as posições que vinham mantendo até então? Ou o velho fisiologismo do “centrão” dará a tônica? Os cargos que estão sendo negociados serão suficientes para blindar um pouco o governo que vem sofrendo derrotas no Legislativo?

Uma certeza há: está tudo incerto. Em política, tudo é possível. Mas, nem tudo, pode vir a ser tolerado.

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