Vítor Oliveira
Não é questão de sermos profetas do apocalipse, mas não podemos nos iludir. É inegável que as mudanças pelas quais passamos nos últimos anos corroeram os arranjos e fundamentos do que se chamou de Nova República. E, enquanto o terremoto ainda ocorre, estamos entendendo como lidar com os escombros.
A não aceitação de resultados eleitorais é só o sintoma mais grave de uma infecção generalizada e múltipla dos órgãos que sustentam nossa jovem República. Das regras mais básicas de convívio à perspectiva de reforma casuística do Supremo Tribunal Federal, estamos diante de um possível colapso sistêmico.
Isto nos deixa confusos, pois os ataques à República ocorrem simultaneamente e de forma conectada. De fato, não há uma resposta única, exclusiva. Mudanças na maneira como nos comunicamos, crise econômica, políticas públicas mal desenhadas, erros de lideranças políticas, instituições que estão aquém do seu papel, como os partidos – tudo pode estar na raiz dos problemas.
Uma democracia plural em uma economia moderna é algo tão raro na história da humanidade – até mesmo nos nossos dias, a depender de quais critérios de democracia utilizamos –, que talvez seja bom um pouco de perspectiva histórica.
Era do Bronze
Um dos episódios mais fascinantes e misteriosos da história da civilização humana neste planeta é o colapso da Era do Bronze. Por volta de 1200 Antes de Cristo, havia uma rede de civilizações com um complexo e precoce intercâmbio comercial, diplomático, religioso, militar, desde o que hoje é o Afeganistão até o Mar Mediterrâneo.
Egípcios, Hititas, Micênicos, Assírios, Babilônios; conhecemos um pouco dessas histórias. Contudo, para civilizações já milenares, tudo ruiu em pouquíssimas décadas. Em cerca de 50 anos, as cidades vão a ruínas, o comércio desaparece, línguas morrem, a população decai. As civilizações colapsam.
Há múltiplas explicações; mudanças climáticas, migrações em massa, fome, revoltas, guerras, invasões de povos misteriosos, quebra das rotas de comércio de produtos fundamentais. Provavelmente, as coisas foram ocorrendo de maneira simultânea, reforçando-se mutuamente.
A lição aqui é que a complexidade dos nossos arranjos políticos e institucionais não é necessariamente uma virtude. E tudo pode ruir de uma hora para a outra. Quando estamos no meio do processo, talvez não sejamos capazes de entender e determinar quais fatores corroboram o fracasso.
Temos fracassado clamorosamente e precisamos descobrir, o quanto antes, como reverter esse processo de destruição das bases institucionais da nossa política.
Seja lá qual for o resultado do segundo turno das eleições presidenciais, já sabemos que o Poder Legislativo não retomará tranquilamente seu papel de coadjuvante no Orçamento, tampouco que o Supremo terá tranquilidade para cumprir sua missão institucional, dada a nova composição do Senado Federal.
Os militares saíram da caserna; milhares acumularam salários, funções e pegaram gosto pelo exercício do Poder. Há uma parcela gigante da sociedade que vê no autoritarismo e na violência a melhor maneira de resolver os problemas de ação coletiva.
A Pedra Fundamental da Nova República ainda não foi removida. A Constituição Cidadã está lá. Mas os tratores já foram comprados – literal e figurativamente. Acordos fundamentais sobre a competição política foram gravemente violados, como evidenciaram os subsídios massivos às vésperas da eleição.
É difícil ser otimista nesse momento. Temos um longo processo pela frente e as bases que temos não são mais suficientes. Isso serve tanto para os processos políticos, quanto para a próprio Ciência Política. Entendermos apenas o funcionamento do Presidencialismo de Coalizão não será suficiente para salvar a Nova República.
Créditos da imagem: Reprodução Redes Sociais
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