Vítor Sandes
Debates sobre reforma política ou eleitoral no Brasil não são novos. São inúmeros os argumentos e as propostas que sugerem alterações constitucionais ou mesmo em leis que regulam a política e as eleições no Brasil. O ponto em comum em todas as propostas é que “a reforma política é a reforma das reformas, é a mãe de todas as reformas”.
Quem propõe alterações sempre alega que elas são capazes de conferir mais qualidade ao sistema político brasileiro em seus mais diversos aspectos. A maior parte das propostas trata, direta e indiretamente, das eleições e visa ter efeitos sobre o sistema partidário e sobre o funcionamento da democracia. Por exemplo, recentemente houve a aprovação de regras que visam diminuir a fragmentação partidária, como o fim das coligações eleitorais nas disputas proporcionais, que entrou em vigor nas eleições municipais de 2020, e as cláusulas de desempenho, que criam limites para a execução de mandatos por partidos que tiveram uma pequena fatia de votos nas eleições para deputado federal. Com essas mudanças, busca-se diminuir o número de partidos políticos com representação política, além de reduzir os custos para a formação e manutenção de coalizões de governo e, também, tornar o sistema partidário mais inteligível para os eleitores.
Para além desse tipo de mudança, que acontece em consonância com o modelo institucional desenhado pelos constituintes e, também, escolhido pelos cidadãos naquele contexto, há propostas de modificações que alteram profundamente o arranjo institucional brasileiro, como a de se implantar o semipresencialismo no Brasil. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criou um grupo de trabalho para se discutir a possibilidade da implementação de tal sistema de governo no Brasil. O grupo, ainda que tenha natureza somente consultiva, tem a função de pautar o tema dentro da agenda de reformas no Brasil. É, necessário, no entanto, fazer algumas considerações sobre a realização desse debate nesse cenário.
É importante ressaltar que o Brasil, além de uma república, tem utilizado, de forma predominante, o sistema de governo presidencialista desde a Constituição de 1891. No atual regime democrático brasileiro, ele foi oficializado na Constituição de 1988 e confirmado em 21 de abril de 1993, por meio do plebiscito em que os cidadãos escolheram o presidencialismo, em vez do parlamentarismo, e, também, ratificaram sua preferência pela república, em vez da monarquia.
É sabido que outros países adotam o sistema, com muitas variações em si. Entretanto, não parece apropriado propor alteração de um sistema de governo tão institucionalizado a partir de debates promovidos por um grupo, que tem alguns meses para findar seus trabalhos, em um contexto pré-eleitoral, que tem, em sua composição, legisladores que estão concluindo seus mandatos. Concluir algo, por meio de debates realizados em poucos meses, em um contexto com políticos e cidadãos mobilizados para questões que giram em torno das eleições pode prejudicar a qualidade dos encaminhamentos do grupo de trabalho.
Além disso, é importante ressaltar que a implantação de um sistema semipresidencialista, em tese, visa empoderar, ainda mais, o Legislativo frente ao Executivo. A questão é: os cidadãos brasileiros têm interesse em empoderar deputados federais e senadores, ainda mais? E, por fim, uma pergunta: a quem interessa o debate e a proposição da mudança do sistema de governo no atual contexto?
Se há algo que gera instabilidade é o tensionamento do modelo institucional adotado constitucionalmente pelo país em debate apressados, sem ampla participação popular. Não há soluções mágicas, retiradas da cartola. O único remédio para a democracia é mais democracia.
Créditos da imagem: Jornal O Globo
留言