João Paulo Viana
O fim das coligações em eleições proporcionais consiste na principal mudança no sistema eleitoral brasileiro para a eleição municipal de 2020. A medida, aprovada pelos legisladores na reforma política em 2017, entra em vigor pela primeira vez esse ano, o que transforma o pleito numa espécie de laboratório para as eleições posteriores, em especial, a eleição geral de 2022, quando o novo regramento estreará nas disputas para a Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas. Trata-se, de fato, de uma importante alteração nas regras que regem as eleições de nossos representantes.
Criticada há anos por políticos, analistas e estudiosos do sistema político brasileiro, as coligações nas eleições para vereador, deputado estadual e deputado federal são observadas como um fator de enfraquecimento da vida partidária. Do ponto de vista eleitoral, o mecanismo funcionava como um único partido, deturpando o voto na legenda e contribuindo para que, especialmente, os menores partidos burlassem o quociente eleitoral e lograssem representação nos parlamentos. Em países como a Finlândia, por exemplo, onde o sistema eleitoral proporcional permite a vigência de coligações, o cálculo da divisão de cadeiras (quociente) é realizado separadamente, com cada partido obtendo em número de mandatos aquilo que realmente recebeu em termos de votos e, assim, assegurando mais fielmente a vontade do eleitor.
Para além dos objetivos precípuos da redução da fragmentação e uma representação mais justa, tornando mais inteligível o quadro partidário ao eleitorado, a medida acarreta também novas estratégias e consequências aos atores políticos. Estratégias que vão além da competição proporcional e tem impactos diretos nas disputas majoritárias. Com o fim da coligação, na luta pela sobrevivência eleitoral, os partidos tendem a lançar um maior número de candidaturas nas eleições ao executivo no intuito primordial de garantir maior visibilidade, a fim de impulsionar a lista de candidatos ao Legislativo.
Nesse sentido, até o atual momento da pré-campanha, verifica-se uma forte tendência em diversas capitais do País de aumento significativo no número de candidatos a prefeito. Na cidade de Porto Velho, capital de Rondônia, a quinze dias do prazo máximo para o fim das convenções partidárias, quase vinte nomes se apresentam como pré-candidatos à prefeitura. Ainda que muitas dessas pré-candidaturas não se concretizem, tendo em vista que em alguns casos uma tática também utilizada é “valorizar o passe” para firmar alianças ao Executivo, tudo indica que teremos uma eleição majoritária com um número recorde de postulantes.
E como toda regra eleitoral tem seus prós e contras, se a intenção primordial é diminuir o alto número de partidos representados no Legislativo, num sentido inverso, a nova estratégia das legendas pode acarretar o aumento da fragmentação partidária nas disputas majoritárias. Importante mencionar que em menos de 2% dos municípios do País há possibilidade de segundo turno. Isso implica necessariamente no fato de que na imensa maioria das cidades brasileiras o prefeito pode ser eleito pela maioria simples de votos. Se por um lado o aumento da fragmentação nas disputas é compreendido como mais democrático, por proporcionar uma ampliação na oferta eleitoral, por outro lado, muito provavelmente, crescerá de forma substancial o número de prefeitos eleitos com menos de 50% de apoio popular.
Como recorda o professor de Ciência Política da UFPI, Márcio Cunha Carlomagno, o aumento da fragmentação nas eleições majoritárias e a elevação do número de alcaides eleitos por maioria simples poderá acarretar o crescimento da insatisfação popular em relação aos governos locais, caso os cidadãos não se sintam representados principalmente nas localidades onde os eleitos não alcançarem maioria absoluta dos votos. Com isso, a crise de representação que afeta hoje o Legislativo, diga-se de passagem, um fenômeno mundial, pode incidir também sobre os Executivos municipais. Segundo Carlomagno, uma mudança desse tipo alteraria também o padrão da competição eleitoral das disputas às prefeituras brasileiras, identificado como bipartidário em grande parte de nossos munícipios. Em contrapartida, aponta ele, mesmo que pouco provável, o eleitor pode optar pelo voto útil. Isso, porém, não há como afirmar no momento.
De fato, não é possível prever ainda as consequências da nova regra eleitoral para o sistema político brasileiro. Embora haja forte expectativa de que a medida contribua, ao lado da cláusula de barreira nas eleições para a Câmara dos Deputados, com a diminuição da fragmentação partidária nas casas legislativas do País. Certamente, após o dia 15 de novembro, retornaremos ao tema aqui no Legis-Ativo do Estadão.
Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Pode Legislativo, eleições municipais, coligações, sistema eleitoral, eleições 2020, Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa, coligações proporcionais.
Commenti