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O FUNDEB permanente é filho do Congresso com a Sociedade Civil

Graziella Guiotti Testa


No dia 20 de julho foi aprovado em dois turnos na Câmara dos Deputados o caráter permanente do anteriormente provisório Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). A educação brasileira é tão diversa e desigual quanto sua sociedade. O objetivo principal do FUNDEB é garantir algum grau de equidade orçamentária entre as diversas redes educacionais municipais brasileiras. E os resultados do Fundo, anteriormente provisório, já foram observados na redução da desigualdade entre investimento por aluno nas redes municipais, que era de 10.012% e passou para 564%[1].


O processo de definição do orçamento é o ponto onde culmina o conflito próprio da democracia e a realização institucional mais evidente da democracia é o Congresso. Se no discurso é possível se esquivar de conflitos para maximizar o eleitorado, não há como esconder os próprios posicionamentos na escolha de alocação de recursos escassos. A decisão sobre alocação de recursos tem vencedores e perdedores claros. Apesar de tudo isso, o processo legislativo que resultou na aprovação do FUNDEB foi encerrado com a orientação partidária unânime pela aprovação do parecer da relatora em Plenário.


Como atingir unanimidade de orientação partidária num contexto de polarização e fragmentação partidária?


A PEC do FUNDEB foi apresentada em 2015 e a comissão especial que viria a apreciar a proposição foi instaurada em 2016. Com o fim da Legislatura em 2018, em 2019 instaurou-se nova Comissão Especial. No âmbito da comissão e fora dela foram conduzidos inúmeros debates que envolveram especialistas na área tributária e de educação, conselhos, associações, fundações e grupos. Um observador desatento poderia alegar que mais de cinco anos de tramitação é sinal de um processo ineficiente e creditar a morosidade do processo à ausência de vontade ou à preguiça de parlamentares, servidores e assessores.


Uma observação rápida nas informações disponíveis na página da Comissão Especial que apreciou a PEC, no entanto, permite concluir que foram ouvidas as seguintes entidades no processo de tramitação: Associação Brasileira de Municípios - ABM; Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - Atricon; Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação - FINEDUCA; Associação Nacional dos Centros Universitários - ANACEU; Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Comitê dos Secretários de Fazenda dos Estados e Distrito Federal - COMSEFAZ; Confederação Nacional de Municípios - MNM;Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE; Conselho Nacional de Educação - CNE; Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed; Divisão de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID; Frente Nacional de Prefeitos - FNP; Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE; Fórum de Governadores; Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação; Fórum dos conselhos Estaduais de educação; Fórum Nacional de Educação - FNE; Fórum Nacional de Governadores; Fórum Nacional de Secretários estaduais de Planejamento; Instituto Ayrton Senna;Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP; Instituto Rui Barbosa - IRB; Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil - MIEIB; Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO; Presidentes e Vice-Presidentes das Comissões de Educação das Assembléias Legislativas; Todos Pela Educação; Tribunal de Contas da União - TCU; União Brasileira de Estudantes Secundaristas - UBES; União dos Conselhos Municipais de Educação - Uncme; União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - Undime; União Nacional dos Estudantes - UNE.


A maior parte delas foi ouvida mais do que uma vez e muitas tinham posições diametralmente opostas à outras. Assim como os partidos e parlamentares que se envolveram no processo legislativo da PEC. A lista não é exaustiva, uma vez que o processo de acomodação de demandas se deu também informalmente, em reuniões extra-pauta no período noturno promovidas pela relatora Deputada Professora Dorinha (DEM/TO). Se você optou por passar os olhos e não ler o nome de cada uma dessas entidades acima, imagine ter que conjugar os posicionamentos, ideias, vetos, ressentimentos e desalinhamentos entre elas.


Frequentemente a coordenação desses processos cabe ao Executivo, que dispõe de mais recursos e capilaridade. O cenário político no Executivo, todavia, foi conturbado nesses pouco mais de cinco anos desde a apresentação da PEC pela então Deputada Raquel Muniz (PSC/MG). No período, três presidentes da República ocuparam a cadeira, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, e um processo de impeachment ocorreu. Nada menos do que sete ministros ocuparam o cargo desde 07/04/2015, dia em que a PEC foi protocolada. São eles: Renato Janine Ribeiro, Aloízio Mercadante, Mendonça Filho, Rossieli Soares, Ricardo Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub e o atual[2] Ministro Milton Ribeiro. O FUNDEB permanente é filho do Congresso com a Sociedade Civil.


O processo de construção política democrática é o processo de conjugação de vontades. Ainda que ninguém se sinta completamente contemplado, também ninguém se sente excluído. Pode ser frustrante, decepcionante e árduo mas quando é bem feito pode garantir o futuro de centenas de milhares de crianças que nasceram e nascerão na pobreza, quiçá na miséria. Enquanto houver atores que divergem mas que se dispõem a construir juntos, o Congresso mostra seu melhor lado e permite pensar em políticas de Estado na ausência do governo.


[2] Caso ocorra nova mudança, esse texto foi escrito e enviado para editoração no dia 27/07/2020.

Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Poder Executivo, FUNDEB, educação, sociedade civil, Congresso Nacional, Câmara dos Deputados, políticas de Estado, desigualdades sociais.


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