Leon Victor de Queiroz
O brasileiro, em média, é carente. Em 2021 o PIB brasileiro foi o 12º no mundo, mas em termos per capita está abaixo de 50, seja no PIB nominal ou pelo poder de paridade de compra (PPP). Isso significa que estamos entre os 10 países com a pior concentração de renda do mundo. A renda média do brasileiro é de R$ 2.447. Isto é, a média é pouco mais que dois salários mínimos. Em termos de concentração, 90% das pessoas ganham abaixo de R$ 3.500,00, ou seja, a cada 10 brasileiros, 9 ganham abaixo de 3.500 reais. Não significa que 9 ganham 3.500, existe uma variabilidade impressionante dentro desse patamar. Se estabelecermos uma distribuição normal da população, a mediana (a exata metade) o salário é praticamente metade de 3.500.
E o que isso tem a ver com carência? Tudo. Sem renda não há escolaridade nem saúde, não há informação de qualidade nem nutrição adequada (pressionando os gatos públicos com saúde). Mas, além da carência financeira, há um aspecto de natureza emocional: o brasileiro carece de esperança, de dias melhores, de ver o país deslanchar e se ver, enquanto pessoa, tendo o padrão de 12ª economia do mundo. Só para se ter uma ideia, a Austrália é a 13ª economia e a Espanha a 14ª. Nem de longe o brasileiro médio vive como um espanhol ou canadense.
E desde quando emoção explica alguma coisa? A Teoria da Escolha Racional é utilizada pelo mainstream da Ciência Política para explicar as escolhas (individuais e coletivas). Na parte “Ação Humana”, do clássico Peças e Engrenagens das Ciências Sociais, Jon Elster explica quando a racionalidade falha. Segundo ele “uma ação, para ser racional, deve ser o resultado de três decisões ótimas. Primeiro, deve ser o melhor modo de realizar o desejo de uma pessoa, dadas suas crenças. Depois, essas crenças devem ser elas mesmas ótimas, dadas as evidências disponíveis à pessoa. Finalmente, a pessoa deve reunir uma quantidade ótima de evidência – nem demais nem de menos. Essa quantidade depende tanto de seus desejos – da importância que atribui à decisão – como de suas crenças relativas aos custos e benefícios de reunir mais informação. Aqui os desejos são o único elemento independente, ao qual todos os outros são subordinados” (Elster, 1989, p. 47-8)
O índice de GINI é o principal indicador que mede desigualdade, sendo que, quanto mais próximo de 1 mais desigual, quanto mais próximo de zero, mais igual. De acordo com Marcelo Neri[1], em 1960 o índice de GINI para o Brasil era de 0,535. O pior momento foi em 1990 quando alcançou 0,607. Segundo o IPEA[2], o melhor momento foi em 2014, cravando 0,518. Desde então não parou de subir. Segundo o IBGE[3] , em 2019 o GINI brasileiro estava próximo a 540. Isso significa que o desemprego e a fome voltaram a assolar a vida das pessoas mais pobres e, dessa forma, a revolta. Ironicamente foi durante o governo do PT que o índice de desigualdade caiu de forma mais aguda, contudo também subiu após a crise de 2014. Potencializada pela cobertura da mídia, os escândalos de corrupção associados à crise econômica mexeram nos desejos do eleitor, que puniu o PT em 2018, garantindo o mandato a Jair Bolsonaro. Desde 1994 houve duas opções com reais chances de vitória: PT e PSDB. Em 2018 o PSDB foi atropelado pela onda bolsonarista que se sagrou vitoriosa do pleito. Alguns veículos de comunicação ainda insistiram em colocar a disputa de 2018 como sendo entre duas faces da mesma moeda. Não era.
Após ganhar notoriedade nacional como juiz dos processos da Operação Lava Jato, Sérgio Moro passou a encorpar o significado de Justiça (muitas vezes confundido com o de vingança) ao levar à prisão diversas figuras do meio empresarial que cobraram e/ou aceitaram propina nas suas relações com o poder público. Também levou à prisão políticos de peso, incluindo o ex-presidente Lula. Dessa forma, conseguiu atrair para si tanto a gratidão dos antipetistas como o desprezo dos petistas.
Devido às garantias individuais que os juízes têm (irredutibilidade de vencimentos, inamovibilidade e vitaliciedade), Sério Moro jamais poderia ser afastado da Operação Lava Jato, salvo, por vontade própria. E ele o fez. A pedido, foi exonerado do cargo de Juiz Federal para tomar posse como Ministro da Justiça e Segurança Pública no governo eleito no pleito em que prendeu o principal candidato. Como o brasileiro desconhece a ética e acha que corrupção é exclusiva da coisa pública, não entendeu o grave comprometimento de um magistrado em deixar o cargo para servir a um governo que ele, intencionalmente ou não, ajudou a eleger, uma vez que Lula era o primeiro colocado em intenções de voto em janeiro, ou seja, três meses antes de ser preso em função de decisão do TRF4 (Tribunal Regional da 4ª Região) que não apenas confirmou a sentença condenatória de Moro, como também aumentou a pena.
Esse movimento de sair do Judiciário e ir para o Executivo foi politicamente delicado, pois, pela conjuntura da época, Moro seria o futuro “herdeiro” político de Bolsonaro. Dessa forma, suas pretensões eleitorais deveriam aguardar 2026. Porém, em abril de 2020, o então Ministro Moro anunciou a sua saída do cargo, alegando graves ilegalidades praticadas pelo Presidente da República. Em sua entrevista coletiva, não forneceu nenhuma evidência de tais ilegalidades. No dia 30 de março de 2022, a Polícia Federal concluiu inquérito em que não houve interferência na corporação como alardeou o então ministro Moro. Com isso, Moro continuou sendo detestado pelo petismo e, ao mesmo tempo, pelo bolsonarismo.
Começou então a luta pela terceira via, que na verdade seria a terceira opção. Já expliquei aqui no blog a diferença. No segundo semestre de 2021, uma jornalista, de quem não me recordo do nome, entrevistou-me; perguntou sobre o impacto político de Sérgio Moro na política ao anunciar sua pré-candidatura. Eu respondi com uma única palavra: ZERO. Ela me indagou e eu expliquei que Moro não soube se construir politicamente. Como Juiz foi acusado de uma série de irregularidades na condução do processo e, como Ministro, delatou (sem provas) o governo para o qual deixou a magistratura. O que enfatizei é que a entrada de Moro na política era um debate de Ética, não de política. Com a confusão entre terceira opção e terceira via, a candidatura de Moro contemplava o desejo do eleitor nem-nem (Nem Lula, Nem Bolsonaro). Entretanto, seus movimentos não foram capazes de arregimentar o público. É que, matematicamente, só Lula pode derrotar Bolsonaro e, só Bolsonaro pode derrotar Lula. Não importam as simulações de segundo turno com Moro se ele é incapaz de chegar lá.
Com a saída do PODEMOS, Moro ingressa no União Brasil e, já de início, recebe um grande não à sua pretensão de sair candidato a presidente. É que sustentar uma campanha presidencial custa caro e o foco do partido não é eleger candidato próprio, mas ter a maior bancada federal do país e, por isso, convidou o ex-juiz a sair candidato a deputado federal em São Paulo. Para quem almejava ser Presidente, ir para a mesma Casa Legislativa que sofreu com a operação por ele dirigida, não parece ser o melhor locus político. Dessa forma, jaz a o sonho da terceira via, pois Ciro está na mesma situação, mas custa a aceitar que ficará com a terceira colocação.
[1] https://www.cps.fgv.br/cps/pesquisas/Politicas_sociais_alunos/2012/Site/Gini.pdf
[2] http://www.ipeadata.gov.br/ExibeSerie.aspx?serid=37818&module=M
Créditos da imagem: Eduardo Knapp – 28.jun.2019/Folhapress
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