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O microgerenciamento de Arthur Lira

Graziella Testa



Cada um dos 594 parlamentares eleitos para o Congresso Nacional representam um grupo de eleitores que os elegeram. Por mais deslegitimada que esteja a classe política brasileira, a escolha dos representantes pelo voto popular segue sendo condição indispensável para que um regime seja considerado democrático. A democracia, no entanto, não se encerra no momento eleitoral. Sem instrumentos para uma democracia que esteja no dia a dia dos cidadãos, é difícil justificar e buscar apoio para a democracia eleitoral. Nessa gama de iniciativas para aprofundar a democracia, é preciso falar dos processos internos do Congresso.



Não é trivial organizar os trabalhos de 513 parlamentares que deliberam sobre todos os assuntos de um país de dimensões como as do Brasil. Via de regra, duas instituições são fundamentais nesse processo, os partidos políticos e as comissões. O tema da organização dos processos internos dos partidos é um episódio a parte, mas recentes mudanças no sistema de comissões vão mudar substancialmente a forma como se processam os trabalhos parlamentares. Há dois tipos de comissões, permanentes e temporárias/especiais.



O sistema de comissões permanentes é a forma como boa parte dos parlamentos dividem os trabalhos parlamentares. Essa divisão é feita pelo critério temático e alguns autores observaram que essa divisão temática leva a decisões mais bem informadas. Nos Estados Unidos a especialização temática é levada tão a sério que a escolha do presidente de comissão se dá pela senioridade, isto é, o membro que está a mais tempo na comissão e que integra o partido majoritário irá presidi-la. No Brasil, o critério para escolha de membros das comissões é o partidário, formalmente e de indicação dos presidentes também, informalmente.



Além de organizar os trabalhos, outra função das comissões permanente é de contrabalancear o poder do Presidente da Mesa, que tem grandes poderes no âmbito do Plenário. Ocorre que, desde 1991, o sistema de comissões passou a ser inflado de forma nunca vista. Entre 1826 e 1991, o número de comissões permanentes varia entre 12 e 16. Hoje são 30 comissões permanentes, além das inúmeras temporárias, especiais e dos famigerados grupos de trabalhos, para os quais não há qualquer previsão regimental ou critério de formação.



No entanto, há um outro elemento que contribui para a desinstitucionalização do sistema de comissões e centralização do processo decisório: o aumento da proporção de comissões temporárias. Além das comissões permanentes, há comissões temporárias que são formadas no caso de projetos de lei que sejam direcionados a mais do que três comissões. A lógica por trás é a de agilizar o processo legislativo. No entanto, o aumento do número de comissões sem que essa regra mudasse, fez com que a proporção de projetos que tramitassem por comissões temporárias e não permanentes aumentasse ao longo dos anos.



O Projeto de Resolução 15/23 trouxe novo poder discricionário para Arthur Lira, ao incluir a possibilidade de o Presidente da Mesa criar comissão temporária “diante da relevância da matéria”. Ora, não seria razoável supor que temas mais relevantes deveriam ser observados por diferentes instâncias temáticas, da mesma forma que em outros tipos de organizações, como empresas e fundações, grandes decisões passem por diferentes setores que possam avaliar os possíveis impactos futuros das mudanças?



Por trás da mudança da norma está mais um reflexo do microgerenciamento de Arthur Lira positivado no regimento e que resultará em decisões menos informadas tecnicamente e menos democráticas. O que Lira está fazendo com o processo legislativo é fechar portas e janelas com alvenaria enquanto segura as chaves para a única entrada restante. Resta saber até quando o parlamento vai tolerar esse comportamento e o que acontecerá quando a harmonia com o Executivo for quebrada.

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