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O Parlamento digital esbarra no Legislativo tradicional

Ana Paula Massonetto e Rodrigo Brites


A pandemia da COVID-19 e as crises sanitária, política e econômica dela derivadas expõem antigas feridas das instituições, ao mesmo tempo em que abrem janelas de oportunidades às inovações que vinham timidamente buscando modernizá-las. Nesse movimento, que Schumpeter descreve como destruição criadora, a estrutura legislativa tradicional também foi impactada: as deliberações virtuais exigiram adaptações não só no rito do processo legislativo, mas em muitas frentes desse Poder, que tem dificuldades em assimilar a evolução social e tecnológica.


O Interlegis, órgão do Senado Federal voltado à modernização do Legislativo, por exemplo, implementou um novo módulo de deliberação remota em 9 Assembleias Legislativas e em 40 Câmaras Municipais, a partir do seu Sistema de Apoio Legislativo (SAPLr), que já estava presente em 1.236 câmaras municipais. O Observatório Legis Tech, mapeou quase 200 Casas Legislativas brasileiras deliberando remotamente durante a pandemia. Essas experiências brasileiras têm se destacado e sido compartilhadas no exterior, na Commonwealth, no Conselho Europeu e em outros fóruns internacionais importantes.


Como já apontado recentemente nesta coluna, as deliberações virtuais constituem apenas um elemento do conjunto de tecnologias e ferramentas inerentes ao Parlamento Aberto Digital.

O que se busca é a modernização do Parlamento em sua essência: maior transparência, o fortalecimento da participação, produção de leis baseadas em evidências (com diagnóstico de demandas e análise impacto das soluções propostas), fiscalização do Executivo a partir da avaliação das políticas públicas e na qualidade dos serviços prestados (e, portanto ancorada em dados), desburocratização administrativa e produtividade dos servidores. Transformações que promovam aumento da efetividade da atuação do Legislativo e o fortalecimento das instituições democráticas.


Mas a implementação das tecnologias e ferramentas propostas no âmbito do Parlamento Aberto Digital é difícil exatamente porque, via de regra, exigem revisão de processos e da inclusão de novos atores nos processos decisórios. As inovações esbarram nas disfunções da política tradicional, na tradição dos processos já consolidados, na resistência cultural, na falta de capacitação técnica dos servidores.


Márcio Coimbra, diretor-executivo do Interlegis, nos explicou que há uma alta taxa de evasão do SAPL, principalmente quando da renovação dos parlamentares e mudanças nas Mesas Diretoras das Câmaras Municipais. O desconhecimento sobre os serviços gratuitos disponíveis ou a falta de servidores tecnicamente capacitados leva a terceirização, com contratação de serviços de empresas privadas, sem transferência de tecnologia e de conhecimento para os corpos técnicos das Casas Legislativas.


Para ultrapassar alguns destes desafios, Coimbra destacou a importância do papel de vereadores(as) pilotando transformações digitais em suas Casas Legislativas e das Assembleias Legislativas, que têm capacidade de escala para apoiar a implementação das inovações em Câmaras Municipais do seu estado, como é caso da ALEPI, que levou o SAPLr para 8 municípios durante a pandemia.


Cristiano Ferri, idealizador do projeto Labhacker na Câmara dos Deputados, alerta para o risco das inovações “quebra galho”. Segundo Ferri, a modernização de todo o aparato burocrático existente tem altos custos de transação, e é mais lenta do que as transformações em curso na sociedade. De fato, pesquisadores da UFSC avaliaram que mais da metade de Câmaras Municipais de 24 capitais brasileiras (54,17%) apresentaram portais com nível de transparência insuficiente para disponibilização de informações de interesse da população.


A implementação de tecnologias no Poder Legislativo pode induzir, mas não supera por si só os problemas históricos dessa instituição. Sem comprometimento dos parlamentares com a transparência, participação popular e políticas públicas efetivas e sem servidores capacitados, a ineficiência, a falta de representatividade e o clientelismo tendem a ser emulados no formato digital.


“A tecnologia não determina a sociedade: incorpora-a. Mas a sociedade também não determina a inovação tecnológica: utiliza-a.” (MANUEL CASTELLS)


Não obstante, a oportunidade em abrir o Parlamento às inovações e à participação do cidadão, que já está ativo nos debates políticos nas plataformas digitais, está posta. Mandatos parlamentares comprometidos com boas práticas técnicas e políticas podem mobilizar e disseminar iniciativas de Parlamento Aberto Digital, pilotando transformações na esfera local, preferencialmente que perdurem para além de cada eleição.


Ferri alerta que transformações já estão ocorrendo fora da esfera institucional, criando instâncias de decisão muito mais líquidas e descentralizadas. Cabe ao Parlamento, especialmente na esfera subnacional, aderir ou ser prescindido, suplantado por sua estrutura obsoleta, moldada nos idos de 1700.


Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Parlamento, coronavírus, pandemia, COVID-19, transparência, participação política, parlamento digital, Poder Executivo, inovação, Parlamento Aberto Digital, Câmara dos Deputados.

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