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O pedido de impeachment em Araraquara/SP: custo político por escolhas a favor da saúde pública?

Michelle Fernandez e Bruno Silva



Ao longo dos últimos 30 anos temos, em temas de saúde, um modelo de atuação baseado no compartilhamento de responsabilidades e na coordenação federativa. Esse modelo é o alicerce do Sistema Único de Saúde (SUS). O comando do sistema, referenciado no Ministério da Saúde, era até então uma constante nas diversas políticas implementadas: campanhas de vacinação, enfrentamento a epidemias, surtos de arboviroses, entre outras. Porém, na crise sanitária que vivenciamos, nota-se uma diferença no equilíbrio de forças que sustenta o processo dessas políticas. O Poder Executivo dos estados e municípios passou a ocupar lugar central frente à incapacidade de aglutinação e coordenação do governo federal. Nesse momento, os governos subnacionais têm que lidar diretamente com a condução de ações de enfrentamento da pandemia com a ausência de orientação e suporte estrutural da autoridade sanitária nacional. Nesse contexto, a pandemia da COVID-19 trouxe grandes desafios para os municípios brasileiros. As gestões municipais tiveram que lidar com demandas que, até então, eram preocupações vinculadas à esfera federal de poder.



No município de Araraquara, estado de São Paulo, as dificuldades registradas em todo o país durante a pandemia também estão presentes. Frente a falta de indicações precisas do governo federal para instruir a atuação dos governos subnacionais em um contexto de emergência sanitária, a prefeitura de Araraquara precisou construir um plano próprio de atuação. Em 2020, Araraquara criou uma estrutura de combate à pandemia. Institucionalmente, formou-se o “Comitê de Contingência do Coronavírus”, que se tornou responsável pela definição das políticas de enfrentamento à doença. Composto por membros do Poder Executivo, sobretudo secretários de áreas mais exigidas no enfrentamento da pandemia, como Saúde, Assistência Social e Educação, além de diretores clínicos dos principais órgãos de saúde do município, esse núcleo vem definindo conjuntamente as medidas adotadas oficialmente pelo Poder Público. Além disso, com o assessoramento de um comitê científico, a gestão municipal adotou medidas que, acredita-se, fizeram com que o município, de 238 mil habitantes, tivesse a menor letalidade em cidades com mais de 100 mil habitantes de todo o estado de São Paulo e a terceira menor letalidade do Brasil. Esta estrutura permitiu ainda a detecção do crescimento da curva de contaminados no início de 2021. Nesse período, a prefeitura decretou um lockdown estrito para conter o aumento brusco dos números de casos da COVID-19 e da ocupação de leitos de UTI no avanço da segunda onda.



Se, por um lado, as medidas chamaram a atenção da imprensa nacional de maneira positiva em relação ao enfrentamento da doença, por outro lado, gerou repercussões muito negativas junto aos setores empresariais da cidade e acabou ganhando a antipatia do presidente Jair Bolsonaro, que elegeu o prefeito como um dos seus inimigos pessoais. Localmente, essa sinalização por parte do presidente serviu como combustível para membros da oposição política municipal e segmentos da sociedade que apoiam o presidente se insurgir contra o prefeito e as decisões tomadas no município.



Araraquara é governada, pela quarta vez, pelo petista Edinho Silva, que esteve à frente da prefeitura entre 2001-2008 (2 mandatos), 2017-2020 e, recentemente, foi reeleito prefeito em 2020. O prefeito possui em seu currículo político o fato de ter sido tesoureiro de campanha da ex-presidente Dilma Rousseff, além de ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) em 2015 e homem muito próximo do ex-presidente Lula. Agora, após os acontecimentos desta semana na cidade, passou a acumular também a vitória junto à Câmara Municipal de Vereadores da rejeição de um pedido de impeachment contra ele.



Na última segunda-feira (2 de Agosto), estiveram presentes no município os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Hélio Lopes (PSL-RJ) e Carla Zambelli (PSL-SP) para participar de um ato reunindo simpatizantes do presidente Bolsonaro e lideranças locais de partidos que fazem oposição ao prefeito no Legislativo, especialmente membros do PATRIOTA e do PODEMOS. Na sequência do ato, que segundo os organizadores tinha o objetivo de entregar cestas básicas a entidades assistenciais do município, uma parte do grupo sob a liderança de Eduardo Bolsonaro se encaminhou até a Câmara Municipal para protocolar um pedido de impeachment contra o prefeito da cidade.



O principal objeto do pedido seria a compra de respiradores por parte da prefeitura de Araraquara em abril de 2020 para o tratamento da COVID-19. À época, a compra de 25 respiradores eletrônicos da R.Y Top Brasil Ltda pelo valor de cerca de R$ 4.1 milhões contou com um sinal dado pela prefeitura à empresa para assegurar o negócio (em um contexto de disputa pela compra dos aparelhos no mundo todo) na casa do R$ 1 milhão. A empresa acabou por não entregar os aparelhos e, a prefeitura, desfez o negócio e acionou a Justiça para reaver o dinheiro pago inicialmente. No último mês de julho, mais de um ano após a negociação, a prefeitura teve ganho de causa e já recebeu parte dos valores pagos. Ainda assim, o assunto vez ou outra aparece como alvo de críticas dos opositores para desgastar a imagem do prefeito. Animou, inclusive, as pressões que culminaram em um pedido de abertura de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) no Legislativo Municipal, cujos trabalhos já possuem data para começar na cidade: após a imunização da população contra a COVID-19. A CEI, nos moldes da CPI da Covid que ocorre no Senado, contará com presidência da base de apoio do prefeito no Legislativo e relatoria da oposição.



Ainda assim, mesmo com a CEI a começar os seus trabalhos, membros da oposição local ao protocolarem o pedido de impeachment - destacadamente os candidatos a prefeito e vice-prefeito derrotados nas eleições contra Edinho Silva em 2020, Dr. Lapena e Coronel Prado (ambos do PATRIOTA), nutriam a expectativa de que o pedido pudesse prosperar junto ao Legislativo. O Decreto Lei 201/1967 estabelece os possíveis crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores e em seu Art. 5º, inciso II, define que o presidente da Câmara deve ler o pedido e consultar o Legislativo acerca da sua admissibilidade. A votação da aceitação ou rejeição do processo ocorreu na última terça-feira, um dia após ser protocolado. Isso aconteceu também em função de que nos casos nos quais não há legislação específica local acerca do assunto deve-se tramitar dessa forma ainda conforme o referido Decreto - caso de Araraquara que não prevê rito para o processo em sua Lei Orgânica Municipal e, tampouco, Regimento Interno da Câmara Municipal.



Mesmo antes de ser colocado em discussão e votação no Legislativo, a ação política já sofria críticas das mais expressivas. Do lado de fora do Legislativo, centenas de apoiadores defendiam as medidas do prefeito no enfrentamento à pandemia. O pedido foi rejeitado por 13 votos de vereadores contrários ao pedido frente a 4 favoráveis. A base política do prefeito junto ao Legislativo, que abrange cerca de 9 vereadores dos 18 da Casa, contou com o apoio de vereadores mais independentes no Legislativo, inclusive do PSDB e PSL local em cujas falas destacaram a responsabilidade política do Legislativo frente a devaneios de aventureiros.



O caso de Araraquara coloca sobre a mesa os conflitos que enfrentam os gestores locais na tarefa de tomar decisões no contexto da emergência sanitária gerada pela COVID-19. Com pouco apoio do governo federal, prefeitos e prefeitas enfrentam-se às dificuldades de decidir por tomar decisões acertadas, desde o ponto de vista da saúde pública, mas que podem gerar altos custos políticos. No entanto, parece que em Araraquara, as decisões informadas por evidências científicas não geraram, por enquanto, altos custos políticos para o prefeito Edinho.


Créditos da imagem: Partido dos Trabalhadores

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