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O projeto da Renda Mínima ressuscita: a volta do que nunca foi

Joyce Luz


No dia 09 de julho de 2020, Rodrigo Maia (DEM- RJ), presidente da Câmara dos Deputados, afirmou que cobrou do governo (entenda-se aqui do Executivo) o envio de uma proposta ao Congresso sobre a modernização da renda mínima no Brasil[1].



Desde o dia 4 de maio de 2020 o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) vem trabalhando com a PNAD - COVID 19, uma versão da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios feita especialmente para medir e trazer à tona a situação da população brasileira, sobretudo em relação ao mercado de trabalho, frente à pandemia decorrente da propagação do coronavírus.



De acordo com os primeiros resultados da pesquisa[2]: “O peso do AE (Auxílio Emergencial) na renda domiciliar per capita pode ser inferido a partir da tabela 4. Para os domicílios dos decis de renda mais baixos, o AE significou uma parcela expressiva da renda. No caso do menor decil, observa-se que o auxílio representou a quase totalidade da renda domiciliar per capita (cerca de 95%). No segundo e terceiro decis de renda mais baixa, o AE representou mais de um terço da renda domiciliar per capita (59% e 35%, respectivamente). Nos demais decis de renda mais baixa, a participação do AE na renda domiciliar também foi substancial”. Abaixo, apresento os dados citados da tabela 4 extraídos no relatório de divulgação da pesquisa.



Vamos aqui entender juntos esses dados. A renda per capta, ou seja, a renda contabilizada literalmente por cabeça, por cada indivíduo, foi dividida em dez segmentos com a mesma quantidade de pessoas distribuídas na ordem que vai das mais pobres às mais ricas. Isso significa afirmar, por exemplo, que na tabela 4 o decil de renda 1 contém 10% da população mais pobre e que sobrevivia, até antes da implementação do Auxílio Emergencial, com uma média de 10,64 reais de renda per capta domiciliar e, após o AE, passou a sobreviver com uma média de renda per capta domiciliar de 227,39 reais.



Para esse grupo da população, ou seja, dos 10% mais pobres o valor do Auxílio Emergencial representa, hoje, 95% da renda que um indivíduo dispõe para sobreviver. Volto aqui a reforçar para que não exista dúvidas: antes do Auxílio Emergencial, um brasileiro ou brasileira pertencente ao grupo dos 10% mais pobres da nossa população sobrevivia com uma renda média domiciliar de 10,64 reais.



Indo além, de acordo com esses primeiros resultados da pesquisa, a faixa dos brasileiros e brasileiras que vivem na extrema pobreza – de acordo com os critérios do Banco Mundial as pessoas que pertencem a essa faixa precisam sobreviver com menos de 1,90 dólares por dia, ou o equivalente à 154 reais por mês – caiu de 6,5% em 2018[3] (13,5 milhões de pessoas) para 3,3% (6,9 milhões de pessoas) de maio para junho deste ano.



Se por um lado a propagação e permanência do coronavírus revelou a força e a diferença que um sistema público de saúde tal como o SUS (ainda que deficitário e com muitas melhorias a serem feitas) é capaz de fazer em um país, por outro a pandemia expôs e trouxe a tona um cenário antigo e muito mais desolador para o qual a Constituição de 1988 ainda não alcançou solução: o cenário de pobreza que assola boa parte dos brasileiros e brasileiras. Não se enganem, caros leitores, estamos falando que a distribuição de um Auxílio Emergencial no valor de 600 reais (valor inferior ao salário mínimo que hoje marca os 1.045 reais) foi capaz de tirar de uma só vez 6,6 milhões de brasileiras e brasileiros da linha da extrema pobreza!



O ponto ao qual quero chegar aqui é o de que a pobreza e seu extremo sempre foram uma realidade no nosso país. Ela não é resultado da pandemia pela qual estamos passando. Ironicamente (ou não), a pandemia trouxe a solução para mais de 6,6 milhões de brasileiros e brasileiras que aguardavam pelo cumprimento das promessas aprovadas ainda na Constituição Cidadã de 1988. Não nos esqueçamos do terceiro artigo da nossa Constituição vigente que diz que: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”.



Por que então o Legislativo brasileiro demorou mais de 30 anos para colocar em pauta a discussão em torno da necessidade de uma renda mínima ou de uma distribuição mais igualitária da renda entre os brasileiros e brasileiras? A resposta para essa pergunta é que não foi por falta de tentativas ou da elaboração de projetos. Desde 1992, mais de 103 propostas legislativas (de iniciativa de membros Legislativo e do Executivo brasileiro) tentaram colocar em pauta a discussão da renda mínima e da alteração do sistema tributário brasileiro. Dessas 103 propostas, 63 foram arquivadas, 1 foi vetada totalmente e 39 ainda aguardam providências internas de ambas as casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado).



A questão não é, então, sobre a necessidade de discutir a renda mínima e uma reforma tributária. O total de 103 projetos nos mostram que o Legislativo e o Executivo brasileiro sabem muito bem que desde 1988 essa é uma discussão que está dada por si só: a extrema pobreza existe e persiste no nosso país. Não é necessário discutir se mais de 6,6 milhões de brasileiros e brasileiras conseguem sobreviver com menos de 154 reais por mês. O que temos de diferente agora em 2020 é que a distribuição de um Auxílio Emergencial no valor de 600 reais se tornou a prova viva e concreta de que a redistribuição mais igualitária de renda no Brasil é uma das soluções para os mais de 13,5 milhões de cidadãos e cidadãs que aguardavam desde 1988 pelo cumprimento de um dos objetivos fundamentais da nossa Constituição Cidadã: “III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.



A pergunta que fica aqui, portanto, é a seguinte: por que há quase 32 anos não conseguimos aprovar uma proposta de redistribuição de renda mais igualitária? A resposta está dentro do nosso próprio Executivo e Legislativo e é simples: para redistribuir alguém precisa perder para outras pessoas ganharem e, infelizmente, estamos sempre escolhendo representantes que têm medo de perder.


[2] Os resultados e metodologias utilizadas na PNAD- COVID 19 podem ser consultados em: https://covid19.ibge.gov.br/


[3] Dados retirados do último relatório da Síntese de Indicadores Sociais -SIS produzido pelo IBGE em 2018 e divulgado em 2019. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9221-sintese-de-indicadores-sociais.html?=&t=downloads

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