Araré Carvalho e Fernanda Caprio
E mais uma vez, às portas do período eleitoral, temos, novamente, um cenário de insegurança jurídica.
Em eleições anteriores, reformas eleitorais alteraram regras de propaganda eleitoral, reduziram o tamanho de placas e adesivos de propaganda eleitoral tanto em imóveis quanto em veículos, proibiram outdoor, retiraram os cavaletes das ruas, proibiram pintura em muros, limitaram o teto de gastos de campanha, proibiram doações empresariais, reduziram os valores permitidos de doações de pessoas físicas, retiraram candidatos a vereador do programa em bloco no rádio e na televisão e os relegaram 40% das pílulas de 30 a 60 segundos, criaram nota de corte individual para contagem de votos de candidatos proporcionais (10% do quociente eleitoral), instituíram a pré-campanha, mas limitaram as permissões para divulgação e debate, incluíram a possibilidade de arrecadação por “vaquinha eleitoral”, contudo, impuseram um rol exaustivo de documentos para cadastrar empresas arrecadadoras e controles financeiros que por vezes inviabilizam o sentido democrático deste tipo de arrecadação, sem falar nas diversas modificações das já minuciosas regras de controle de arrecadação, aplicação e prestação de contas de recursos utilizados em campanhas.
É certo que estas mudanças foram paulatinas. Mas todas foram instituídas às pressas pelo legislador, regulamentadas nem sempre com clareza pelas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral e reinterpretadas regionalmente pela jurisprudência eleitoral.
O conjunto da obra é um emaranhado de regras e interpretações que tornam a vida do candidato uma aventura de percalços jurídicos e contábeis, que por vezes só se resolvem com o apoio de profissionais.
E a instabilidade eleitoral não foi diferente em 2020. Às portas do período de convenções partidárias ainda não se sabia se o calendário eleitoral seria normalmente cumprido.
As lamentáveis condições sanitárias impostas pela pandemia COVID-19 adiaram até mesmo shows, eventos e competições esportivas mundiais. O crescente aumento de cidadãos contaminados e perdas humanas levou autoridades do poder legislativo, judiciário, governamental e da saúde pública a definirem pelo adiamento das eleições, não sem antes ouvirem do Supremo Tribunal Federal que, se não fosse pelas mãos do legislativo federal, as eleições seriam adiadas por proteção à saúde pública pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral, com aplicação analógica do artigo 187, do Código Eleitoral (que permite à justiça eleitoral fixar datas para eleições suplementares).
A decisão, após controvérsias, várias PECs (Propostas de Emenda à Constituição), reuniões e altos e baixos, veio pela Emenda Constitucional 107/2020, promulgada em 02/07/2020, 18 dias antes do início do período de convenções partidárias no calendário eleitoral regular.
Não é preciso descrever a insegurança e a instabilidade que o atraso nesta decisão provocou. Partidos, candidatos, eleitores: todos tinham decisões a tomar para o preparo de atos pré-eleitorais sem saberem se as datas convenções seriam ou não mantidas e se os prazos seriam observados.
Por fim, eis a Emenda Constitucional 107/2020. Por seu texto, as eleições ocorrerão em 1º turno na data cívica de 15/11/2020 e em 2º turno em 29/11/2020. Porém, há uma ressalva: em municípios ou estados com quadro sanitário agravado pela pandemia da COVID-19, a eleição poderá ser prorrogada por Decreto Legislativo do Congresso Nacional e definição pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não podendo ultrapassar o dia 27/12/2020. Ou seja, pode não ocorrer eleição em todos os municípios brasileiros no dia 15/11/2020, o que vai gerar um quadro sui generis de candidatos eleitos em algumas localidades e não eleitos em outras.
Enfim, adiadas as eleições, o afastamento de comentaristas, jornalistas, apresentadores de programas de TV e rádio ganhou um prazo maior, até 11/08/2020. A desincompatibilização para cargos que se afastam 90 dias antes da eleição foi adiada para 15/08/2020. As convenções partidárias foram fixadas de 31/08/2020 a 16/09/2020. O registro de candidatura deverá ser feito até 26/09/2020 e a campanha eleitoral, propriamente dita, com permissão para divulgação de propaganda eleitoral, começa em 27/09/2020. A propaganda na TV e no rádio tem início em 09/10/2020. A prestação de contas parcial deverá ser enviada por candidatos e partidos até 27/10/2020 e a final até 15/12/2020. A diplomação dos eleitos deve ocorrer até 18/12/2020 e, com toda essa correria, pretende-se concluir o processo eleitoral dar posse aos eleitos em 01/01/2021.
Porém, as prestações de contas eleitorais não precisarão estar julgadas para a diplomação dos eleitos, regra de ouro vigente nas eleições passadas e alterada neste cenário de pandemia para permitir a realização do processo eleitoral dentro do exercício de 2020. Com isso, pela previsão da Emenda Constitucional 107/2020, as prestações de contas deverão ser julgadas até 12/02/2021 e as representações eleitorais que discutem abuso de poder econômico na campanha poderão ser apresentadas contra os candidatos eleitos até 01/03/2021.
Vem aí, em 2021, um festival de cassações de prefeitos e vereadores eleitos e, se este cenário se confirmar, um desfile incontável de eleições suplementares municipais. Estas sãos as cenas do próximo capítulo.
Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, Poder Judiciário, eleições, eleições 2020, eleições municipais, reforma eleitoral, TSE, prefeitos, vereadores, pandemia, COVID-19, coronavírus, campanha eleitoral.
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