Carolina Corrêa
Tudo! E essa é a única resposta possível para tal pergunta.
A pobreza menstrual no Brasil é uma realidade que atinge milhares de mulheres. De acordo o recente relatório lançado pelo UNFPA e UNICEF, 713 mil meninas não têm acesso a banheiros em seus domicílios, 1,24 milhão de jovens do sexo feminino não têm a sua disposição papel higiênico nos banheiros das escolas em que estudam (dentre essas, 66,1% são pretas/pardas) e, mais de 4 milhões de meninas (38,1% do total das estudantes) não têm acesso a itens básicos de higiene, como absorvente. A falta desde último leva as mulheres a utilizar pedaços de pano, jornal e, até mesmo, miolo de pão.
Esse, portanto, é um fenômeno complexo e multidimensional, que envolve diferentes aspectos, como falta de acesso a produtos de higiene, questões estruturais, habitacionais e de saneamento básico, tabus, segregação e preconceitos sociais, entre outros. Essa conjunção de pilares que caracterizam a pobreza menstrual têm um reflexo direto na vida escolar, econômica e no desenvolvimento pleno dos potenciais das pessoas que menstruam. Então, deparamo-nos, aqui, com um problema que atinge boa parte da sociedade brasileira e a coloca em situação de vulnerabilidade. Nesse sentido, se temos um problema, temos espaço para políticas públicas.
Políticas públicas podem ser entendidas como um conjunto de decisões, metas, planos e ações do governo (nos níveis municipal, estadual e federal), voltadas para a tentativa de solucionar um problema da sociedade, isto é, visam o interesse público e o bem-estar daquela população – ou parte dela. Normalmente, os governos priorizam aquelas ações que creem ser correspondentes às demandas mais urgentes da sociedade. Nesse caso, como vimos, os fatos sobre a pobreza menstrual no país parecem ser tão urgentes quanto qualquer outro problema enfrentado pela população, em especial, pelas mulheres.
Foi pensando nisso que diversos parlamentares propuseram o Projeto de Lei 4.968/2019 para instituir o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Com o intuito de combater a precariedade menstrual, o programa prevê, entre outras ações, a promoção de uma campanha informativa sobre a saúde menstrual e a distribuição gratuita de absorventes femininos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua ou em situação de vulnerabilidade social extrema. O PL foi aprovado pela Câmara dos Deputados em agosto e pelo Senado Federal em setembro.
O Presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/2021), mas vetou diversos artigos, entre eles, os que tratavam sobre a distribuição gratuita de absorventes higiênicos e sobre a preferência de aquisição pelo Poder Público de absorventes feitos com materiais sustentáveis. A principal justificava para os vetos foi a questão da fonte de custeio para implementação de uma política que exigiria uma despesa obrigatória de caráter continuado.
O Congresso Nacional pode decidir manter ou derrubar o veto feito pelo Presidente. Ao conversar com jornalistas e apoiadores, em Guarujá (SP), na semana passada, Bolsonaro afirmou que se o Congresso derrubar o veto, ele irá retirar recursos da Educação e da Saúde para custear a ação – o que pareceu conter certo “tom de ameaça”. Mesmo assim, é grande a expectativa de que os parlamentares realmente derrubem o veto do Presidente e façam valer a integridade do que foi originalmente proposto no Projeto de Lei. A bancada feminina já está se articulando para isso e o Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), afirmou que o veto é “candidatíssimo” a ser derrubado pelos parlamentares, mas que o “Congresso está pronto para contribuir com o governo nas soluções de cunho fiscal”.
De fato, a derrubada desse veto é uma quase-certeza; pois a dignidade menstrual é um direito de quem menstrua e, dessa forma, a implementação de uma política pública que garanta a saúde menstrual é algo urgente – e ao que parece, os parlamentes estão cientes disso. Sabemos que a distribuição de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social é apenas um pequeno passo na tentativa de solucionar um problema que é multidimensional e que, em sua mais profunda análise, envolve diferentes aspectos do contexto de desigualdade social que caracteriza a sociedade brasileira. Entretanto, enquanto a construção de uma política pautada numa abordagem interseccional para este caso é algo ainda bastante distante do nosso horizonte, é preciso implementar “medidas paliativas” que possam dar o mínimo de dignidade para as pessoas que menstruam – e isso “é tudo pra ontem”.
Créditos da imagem: Brasil de Fato - RS
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