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O que o caso Arthur do Val nos ensina?



Eduardo Seino




É bastante comum encontrarmos vídeos caricatos de candidatos a representantes políticos, principalmente daqueles que concorrem ao Legislativo municipal. Basta procurar no YouTube e aparecerão centenas de bizarrices em jingles, fantasias, nomes inusitados e candidatos mal votados esbravejando. Estas pequenas demonstrações de despreparo para exercer um cargo eletivo só servem de gozação à medida que os pretendentes não se elegem. O problema é quando aqueles que deveriam estar fora, fazendo seus falsos gracejos, entram. O cômico vira tragédia de proporções variadas. Enquanto se manifesta em forma de discursos atrapalhados, os efeitos são menos danosos. Agrava-se, no entanto, quando o discurso e as ações esgarçam os limites daquilo que é possível tolerar na esfera pública. E quantos limites já não foram ultrapassados nos últimos tempos?




O deputado estadual paulista, Arthur do Val (Podemos), foi o segundo mais votado no pleito de 2018, eleito pelo DEM com 478.280 votos, atrás apenas de Janaína Paschoal (PRTB), eleita pelo PSL com 2.060.786 votos. Inspirado pelo estilo bélico e caçador de polêmicas que o consagrou entre seus milhões de seguidores, o deputado youtuber manteve sua atuação no mesmo tom, colecionando episódios que o afastaram do campo da articulação política. O escândalo decorrente de seus vergonhosos áudios, somado a sua posição de “opositor de todos” fizeram dele alvo comum entre a esquerda e a direita.




Os pedidos de cassação do mandato, as críticas de figuras públicas, autoridades estrangeiras e imprensa estão se multiplicando. O Senado deve votar uma convocação para prestar esclarecimentos na Comissão de Direitos Humanos da casa. O Podemos prometeu instaurar procedimento disciplinar interno e o presidenciável do partido, Sérgio Moro, afastou-se rapidamente do ex-candidato ao governo de São Paulo. A ALESP, por sua vez, deve dar andamento às representações contra o deputado em seu Conselho de Ética.

Diante de tudo isso, importa evidenciar como este caso é capaz de mostrar um enredo perverso de nosso tempo recente. Caminhamos para trás a passos largos por meio de demonstrações de incivilidade, desrespeito mútuo e intolerância. O episódio Arthur do Val não apareceu de repente. Ele é apenas a mais fresca cena de um filme preenchido em sequência por acontecimentos desastrosos envolvendo vários personagens públicos.



E o que nos resta fazer? Na sociedade e de dentro das instituições, sermos firmes e convictos de nosso compromisso com uma cultura democrática que não deve admitir discursos ou atos que violem o reconhecimento da dignidade humana ou degradem o valor intrínseco de um indivíduo ou grupo específico. Existem fronteiras que não podem ser ultrapassadas. Esta é a mensagem precisa ficar clara e não restrita a Do Val, mas a todos aqueles que reproduzem este tipo de comportamento ou tentam relativizar a sua gravidade. Deve, portanto, existir um constrangimento público que empurrem atos repugnantes como este de volta para a esgoto de onde saíram.



Esta tarefa está, principalmente, nas mãos do Legislativo paulista neste momento. O Regimento Interno da ALESP estabelece, em seu artigo 92, inciso II: “Perderá o mandato a Deputada ou Deputado: [...] II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar”. Por sua vez, o artigo 5º, inciso III, do Código de Ética e Decoro Parlamentar dispõe: “Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar: [...] A prática de irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos dele decorrentes.”. Aos termos cabem diversas subjetividades, mas sabemos que este será um julgamento político que enviará uma mensagem sobre aquilo que se pode tolerar. Ainda assim, vale lembrar que estamos em ano eleitoral e os cargos a serem disputados são muito concorridos, isto é, existem milhares de candidatos. Se, eventualmente, as instituições não punirem agora, a urna pode punir em breve.



A democracia também exige o cultivo de regras informais que fortifiquem uma sociedade plural. No atual cenário, discursos que promovam fenômenos degradantes como a inferiorização, objetificação, invisibilidade, estigmatização ou extermínio estão entre os principais obstáculos que precisamos superar.



Créditos da imagem: Reprodução/Rede Social

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