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O Velho é o Novo Novo? Uma reflexão sobre a Política Partidária no Uruguai

Carolina Corrêa

Toda vez que vejo alguém enrolado em uma bandeira de partido político, eu comemoro internamente, pois entendo que essa é uma forma bonita e democrática de expressar, com liberdade, a nossa cidadania. Presenciei um caso assim, recentemente, no dia 1º de março, quando acompanhava a cerimônia de posse do novo Presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, na Plaza Indepedencia. Ao meu lado, postou-se uma senhora que vibrava junto com seus dois filhos adolescentes - todos estavam enrolados em bandeiras do Cabildo Abierto. Para além dessa família, uma quantidade bastante grande de jovens também trazia consigo bandeiras ou vestimentas vinculadas a esse que é o mais novo partido uruguaio, cuja ideologia é de extrema direita.


Ao me deslocar até a Plaza Independencia, eu sabia que encontraria diversos adeptos de partidos de centro, de direita e até de extrema-direita, pois Lacalle Pou encabeçou uma chapa bastante heterogênea, conhecida como Coalición Multicolor. No segundo turno, essa aliança reuniu cinco partidos (Partido Nacional, Partido Colorado, Cabildo Abierto, Partido Independiente e o Partido de la Gente) e assegurou a vitória à direita depois de quinze anos de governos de esquerda no país. Ainda assim, eu não imaginava que encontraria ali tantos apoiadores do Cabildo Abierto.


Fundado em março de 2019, esse partido tem suas origens no Movimiento Social Artiguista, criado em novembro de 2018. Sua plataforma tem cunho nacionalista, militar e conservador, tendo entre os seus membros/candidatos figuras conhecidas da ditadura uruguaia. O principal líder do partido, Guigo Manini Ríos Stratta, ex-Comandante-em-Chefe do Exército Nacional, concorreu a Presidente nas últimas eleições e, surpreendentemente, alcançou o quarto lugar, no primeiro turno, com 11% dos votos. No segundo turno, Manini apoiou Lacalle Pou, na já mencionada Coalición Multicolor, o que garantiu ao Cabildo Abierto duas pastas ministeriais no novo governo: Daniel Salinas, no Misterio de Salud Pública, e Irene Moreira, no Ministerio de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente.


No âmbito legislativo, o Cabildo Abierto também surpreendeu e conquistou 11% das cadeiras na Cámara de Representantes e 10% na Cámara de Senadores. Inclusive, esse desempenho contribuiu para um recorde no nível de fragmentação parlamentar – o Parlamento uruguaio atual abriga o maior número de partidos da sua história. Das sete legendas que ocupam agora as cadeiras legislativas, três são estreantes: Partido Ecologista Radical Intransigente (criado em 2013), o Partido de la Gente (criado em 2016) e o próprio Cabildo Abierto (observe o Quadro 1, abaixo). Portanto, a fragmentação partidária que emergiu na eleição de 2019 se deve, sobretudo, ao surgimento de novos partidos.


Consequentemente, esses resultados indicam uma mudança na correlação de forças no âmbito do Parlamento. Em especial, o bom desempenho do Cabildo Abierto representa uma transformação qualitativa na lógica de funcionamento do Legislativo uruguaio porque expressa a emergência de uma polarização política num país que, até então, era tradicionalmente centrista. No entanto, será que o Cabildo Abierto realmente traz algo de novo para política do Uruguai? Tudo indica que não.


O partido se apresenta como um movimento que se inspira nos ideais de José Gervasio Artigas, o grande herói nacional e principal representante da luta pela independência do país. Todavia, existem vários Artigas ou, então, várias apropriações de sua simbologia – ele também é descrito como um gênio militar, um malvivente, um federalista, um estadista, um caudilho, um anarquista, um libertador, um protetor dos povos livres, etc. Cada historiador, de acordo com o seu olhar, dá-lhe diferentes qualificações, de maneira que Artigas integra a lista das personalidades históricas mais manipuladas do Uruguai. Provavelmente, o Cabildo Abierto, recorre à figura de Artigas para reforçar o seu discurso nacionalista. Sintomaticamente, o seu primeiro registro na Corte Eleitoral se deu sob o nome de Movimiento Social Artiguista – algo que foi vetado, pois o termo “artiguista” revestiu-se de tal sacralidade que se tornou um patrimônio nacional e não pode ser utilizado na denominação de partido políticos.


Sendo assim, não creio que possamos considerar uma novidade o surgimento de um partido que recorre aos ideais de um político que viveu e atuou entre os séculos XVIII e XIX. Apesar de todas as suas façanhas e conquistas históricas, Artigas foi a liderança política de um período marcado por outra realidade e com outras prioridades. Além disso, o programa de ação do partido apenas reproduz uma pauta que combina aspectos conservadores com aspectos reacionários, tão comuns à direta que proliferou nos últimos anos em diversos países. Durante a campanha eleitoral do ano passado, por exemplo, o partido ressaltou a transparência e a honestidade como os pilares fundamentais para se recuperar os valores que os uruguaios perderam ao longo do tempo. Ainda, o partido foi um dos maiores responsáveis por tornar a segurança pública o tema central da disputa eleitoral ao fazer uma forte contraposição ao governo de esquerda da Frente Amplia e endereçar duras críticas à agenda de novos direitos. Tudo isso permite-nos colocar em causa os limites da chamada “nova política”, conforme já discutido neste blog por Dantas e por Massonetto e Alcantara.


Por fim, esses posicionamentos do Cabildo Abierto suscitam alguma preocupação em parte da população uruguaia no que se refere à atuação do partido no Parlamento e nos Ministérios. Existe o receio de que diversas pautas conservadoras ocuparão a agenda do partido, pois Guido Manini salientou, recentemente, por exemplo, a importância de ser realizada uma discussão sobre o uso recreativo da maconha no país, algo que considera nocivo e negativo para a população, especialmente para os jovens. Sem dúvida, num Parlamento fragmentado, onde nenhum partido possui maioria, o Cabildo Abierto poderá ser um parceiro decisivo em determinadas votações de interesse do governo e, assim, terá oportunidade de colocar as suas propostas como uma moeda de troca para se manter na coalizão. Por agora, só nos resta observar se haverá algo de novo na política desenvolvida por esse partido que, por enquanto, parece mais antiga do que Artigas.

Palavras-chave: Movimento Voto Consciente, Poder Legislativo, partidos políticos, eleições do Uruguai, Parlamento uruguaio, Uruguai.

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