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Olha a sessão! É mentira...


Graziella Testa


Como já seria de se esperar, Arthur Lira editou na sexta-feira um Ato da Mesa que desobriga a presença física dos parlamentares nas sessões dos dias 24 a 28 de junho de 2024. A formalidade pela qual sessões presenciais são substituídas por remotas (ou híbridas, como prefere Lira) é a modificação ad hoc do parágrafo 7 do artigo 24 do Ato da Mesa 123, de março de 2020. Esse ato foi editado logo no início da pandemia de covid para evitar que os trabalhos cessassem por completo, ainda sob a presidência de Rodrigo Maia. À época, a rápida resposta do parlamento brasileiro chamou a atenção no contexto internacional[1] e permitiu também respostas rápidas pela via legislativa num contexto de Executivo inerte.

No entanto, o processo de mudança institucional brusco em consequência de fator externo pode resultar na definição de novas dependências da trajetória. Em outras palavras, se antes de março de 2020 seria impensável a convocação de uma sessão remota, após o fim do distanciamento social imposto pela pandemia permaneceu a possibilidade de realização de sessões dessa natureza. Possibilidade essa que não goza de nenhuma institucionalização ou decisão colegiada: os atos da Mesa são editados pelo presidente da Casa e não precisam sequer passar pelo Plenário para que entrem em vigor.

Mais de quatro anos após a primeira sessão remota, o único critério para definir a natureza de uma sessão, se presencial ou remota, segue sendo a discricionariedade do Presidente da Mesa. O Presidente provavelmente irá argumentar que se for deixar essa decisão para o Plenário é muito provável que a maioria dos parlamentares se posicionem favoráveis a sessões remotas irrestritas. Ele não estaria errado, mas seria salutar que o eleitor pudesse julgar o posicionamento dos partidos e dos parlamentares individuais acerca dessa questão. Esse grau de accountability é negado enquanto a decisão fica restrita ao âmbito de decisões unilaterais do presidente. Em outras palavras, precisamos dar nomes aos pais e mães desse filho feio escondido por trás das decisões de Lira.

As sessões remotas não são um problema per se. O problema é a discricionariedade. Na prática, o presidente tem na não duas regras do jogo e pode escolher a que preferir. A falta de previsibilidade quanto a essas regras prejudica a institucionalização da Casa. Por outro lado, a ausência física dos parlamentares prejudica os trabalhos das comissões, que são as principais arenas informacionais e participativas da Casa. O enfraquecimento do sistema de comissões é mais um elemento que compromete as ferramentas de contrapeso internas da Casa e concentra pode na Mesa e no Plenário.

É preciso, portanto, pensar num sistema normativo que gere previsibilidade quanto às sessões remotas. Quais as justificativas possíveis para a realização desse tipo de sessão? Que tipo de proposições podem ser tratadas remotamente? Qual a antecedência que deve ser publicada a pauta de sessões remotas? É razoável que o quórum para aprovação de proposições no sistema remoto seja o mesmo de sessões presenciais? Da forma como está hoje, o Ato da Mesa não precisa sequer de justificativa e não é incomum que o Ato seja editado no mesmo dia que ocorre a sessão.

É preciso que fique claro que não desconsideramos a importância da presença dos parlamentares nas suas bases eleitorais e do quão complexo é para os gabinetes balancear o trabalho parlamentar com o trabalho de base. Também cabe ressaltar que essa complexidade é desigual a depender do estado e da região do congressista, especialmente com a malha aérea reduzida após a pandemia. A questão, mais uma vez, é que os direitos das minorias parlamentares não sejam prejudicados em prol de um produtivismo legislativo vazio. Se boa parte do parlamento está envolvido em outras agendas que não a legislativa, é preferível que não haja sessão à realização de sessão sem a participação efetiva dos parlamentares. Estamos três anos atrasados na regulamentação das sessões remotas e a maior perdedora é a democracia.


[1] Ver GARCÍA MONTERO, Mercedes; BARRAGÁN MANJÓN, Mélany; ALCÁNTARA SÁEZ, Manuel. Los Parlamentos en América Latina en tiempos de pandemia. Los parlamentos en América Latina en tiempos de pandemia, p. 1-514, 2021.

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