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Os jovens e a política – mais uma pesquisa que nos sugere FALTA de conhecimento

Humberto Dantas


Pense num cidadão que utiliza quatro ou mais meios para se informar sobre política diariamente, teve ou terá o interesse de tirar o título de eleitor com menos de 18 anos, diz gostar de política, participou de algum ato político formal nos últimos meses, tem um partido de preferência, concorda totalmente com questões associadas à legitimidade de manifestações de rua como atos da democracia, concorda com a ideia de que a política deve estar presente nos conteúdos das escolas, crê que na democracia somos responsáveis pela nossa realidade, bem como na capacidade de transformação do voto e no protagonismo que o estudante tem sobre o ambiente escolar. Chame um sujeito que pensa assim de um “estudante democraticamente consciente”. Eu, pessoalmente, teria orgulho de ter um filho com essa visão, bem como viver num Estado que valoriza tais aspectos basilares na sua lógica de formação. Como diria Tom Jobim: “que maravilha viver”.


Uma pesquisa inédita da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo, realizada em agosto de 2018 com mais de 2,3 mil estudantes de ensino médio das oito escolas da capital, nos deu condições de combinar as variáveis acima para que chegássemos a um indicador de valorização da democracia. Infelizmente a média obtida, que podia variar de 0 a 10, foi muito baixa: 2,31 – aqui estou olhando apenas para pouco mais de 1,8 mil estudantes do ensino médio regular. Se dividirmos as pontuações em três blocos, aqueles que ficaram com algo entre 0 e 2 pontos já respondem por 59,6% do universo, entre 3 e 7 pontos temos mais 39,8% e com 8 a 10 pontos apenas 0,6%.


Estudos mais aprofundados e estatísticas mais cuidadosas do que as que apresentarei aqui preliminarmente vão render artigos científicos elaborados, mas por enquanto é possível dizer que a situação da formação e valorização política de nossos jovens só pode nos dar como resultado a difícil situação que vivemos no país. Afirmo isso com base em sentença do falecido pensador político italiano Norberto Bobbio, para quem a “educação política é a promessa não cumprida da democracia”. Nesse caso, nem se arrisque a pensar que esse resultado reflete apenas a realidade dessas poucas escolas. Cansei de fazer pesquisas comparando estudantes de diferentes lugares do país e posso garantir: o problema é nacional. O desafio é do Brasil.


Assim, faço uma relevante provocação: você acha mesmo que chegamos a esse ambiente absoluto de desprezo pela política à toa? Achava que o distanciamento e o ódio não levariam a isso? Obviamente há quem ganhe. O presidente da República diz abominar política nas escolas. Pudera, parte dessa ojeriza do povo o levou ao Planalto como solução mítica. Bastaram oito meses e sua popularidade já desce a ladeira em velocidade intensa. Obviamente também tem gente que sonha que esse tipo de conteúdo político é dever exclusivo da família disseminar. Que família? A mesma que passou por essas escolas e reforça a ideia do senso comum de ódio e distanciamento? Os sujeitos que pregam o protagonismo doméstico na realidade do conhecimento político só podem estar delirando. Pois bem, aqui posso assegurar: o resultado do índice construído aqui foi cruzado com a estrutura familiar. Os jovens que têm pai, mãe e irmãos em casa, no que se convencionou chamar de “a tradicional família brasileira”, não têm absolutamente NADA de mais democrático ou profundo que os estudantes que vivem sob outras configurações domésticas. O desenho da família não parece pesar em nada no apego do estudante pela democracia. O resultado é óbvio demais para qualquer estudioso, mas serve de alerta para quem sonha que conhece alguma coisa de política, democracia e sociedade.


Por fim, quero trazer aqui como resultado dessa análise preliminar dos dados que encontrei nesse final de semana algo sobre o Legislativo. Os jovens participantes da pesquisa eram perguntados sobre as funções do Poder Legislativo local, ou Câmara Municipal, onde nos servem os vereadores. Duas das funções pré-determinadas nos questionários estavam associadas a fazer leis e fiscalizar as contas da Prefeitura. Quando analiso os blocos nos quais dividi os alunos para tratar das pontuações, um resultado é bem interessante. No grupo que teve de 0 a 2 pontos no índice a média de estudantes que afirma ser função da Câmara fazer leis fica em 42%, enquanto no grupo de pontos que variam de 3 a 7 essa média sobe para 66%. No último bloco, de pontuação elevada, o resultado é ainda melhor: 84%. Quando o assunto é fiscalizar, os piores pontuados atingem 29% de percepção sobre esse papel do Legislativo Municipal, os intermediários vão a 50% e aqueles que consideramos mais democratizados superam 60 pontos.


Podemos tornar isso mais rigoroso: encontremos os jovens que responderam exatamente que uma Câmara faz leis e fiscaliza o Executivo, deixando de lado todos os outros posicionamentos do formulário. Ou seja: quero olhar para os 175 estudantes, ou lamentáveis 9,4% do universo, que disseram que essas duas são as únicas funções do parlamento municipal diante de uma lista dada de alternativas. Entre os piores pontuados a média de acerto é de 7,1%, no bloco intermediário isso sobe a 14,1%, enquanto nos estudantes do bloco mais próximo à política vamos a 20,6%. Longe de ser o ideal, mas perto de sugerir que quanto mais perto da política estamos, maiores as chances de compreendermos melhor sua existência e minimamente a função de relevantes instituições em nossa sociedade.


Fique com esse aperitivo de uma pesquisa extremamente relevante. E tenha em mente: seria muito dizer que quanto mais politizado o indivíduo, maiores as chances desse sujeito ter clareza sobre a realidade? Seria muito dizer que a E-S-C-O-L-A é o local apropriado para isso?


Palavras-chave: Movimento Voto Consciente; Poder Legislativo; Poder Executivo; Jovens na política; Democracia; educação popular; formação política; Bolsonaro; Câmara Municipal de São Paulo.


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