Leon Victor de Queiroz
Alguns pesquisadores apontam problemas desde a posse da Presidente Dilma Rousseff em 2011, que passou a enfrentar um Congresso mais reativo, passando pelos protestos de 2013, o questionamento da lisura do processo eleitoral de 2014 e tendo o impeachment em 2016 como ponto de debacle institucional. A ascensão de Michel Temer e a leve melhora dos indicadores econômicos pareciam dar alguma esperança de melhora no quadro de estabilidade política, mas a operação lava-jato, que seguia sob forte acusação de ilegalidades, a prisão de Lula (primeiro colocado nas intenções de voto, com 37% ante 16% de Bolsonaro em 31 de janeiro de 2018) às vésperas das eleições, e a eleição de Bolsonaro em 2018 mostraram que a tão esperada estabilidade política estava longe de ocorrer.
A operação lava-jato, endeusada por parte da população (para desgosto de parte do staff político) foi liquidada não por uma manobra escusa ou ruptura institucional. O seu principal agente, que não poderia ser nem removido do cargo, nem ter salário diminuído e já havia sido confirmado como juiz prevento dos fatos conexos com o escândalo da Petrobrás, só poderia sair por vontade própria. E assim foi feito. Com o arrefecimento da principal operação contra corrupção no país, a crise sanitária provocada pela pandemia estremeceu as relações intergovernamentais, seja no âmbito vertical (União versus Estados, no caso do isolamento social) seja no âmbito horizontal (Executivo versus Legislativo e Judiciário).
“Quando instituições democráticas funcionam, elites políticas tratam de resolver suas diferenças através de barganhas e compromissos. Quando as instituições falham, as barganhas entre os poderes ficam avariadas e crises imperam” (Gretchen Helme, 2017, em Institutions on the Edge – The Origins and Consequences of Inter-Branch Crises in Latin America). Essa definição cabe bem no primeiro mandato do Executivo Nacional, com diversas crises e até discursos pregando ruptura institucional e intervenção militar. Com o agravamento da crise sanitária e suas consequências econômicas, sociais e políticas, houve uma mudança de postura na coordenação política, buscando partidos que sempre aderem a governos e aqueles com maior alinhamento ideológico ao do Presidente. Com uma oposição diminuta, o Congresso Nacional assistiu à primeira metade do mandato presidencial inerte, permitindo que questões políticas complexas fossem levadas ao Plenário da Suprema Corte, abrindo mais um foco de tensão entre o Executivo e o Judiciário.
O Poder Legislativo é, por natureza e por desenho institucional o poder maior, o poder popular mais forte, o de maior representatividade e o de maior legitimidade quando colocado em conflito com os demais poderes (exceto quando atenta contra as regras democráticas, que são protegidas pelo Judiciário dentro do seu papel contra-majoritário). A depender do seu desenho institucional, é capaz de remover presidentes antes de finalizado o mandato. Dentro da lógica madisoniana de checks and balances é a primeira barreira às vontades do Executivo. Quando decide não o fazer, força o Judiciário a tomar seu lugar (e faz com que boa parte dos críticos só observem esse movimento, e não o que originou o protagonismo judicial).
A Ciência Política ainda não conseguiu mensurar o funcionamento institucional, para podemos assertivamente dizer quando instituições funcionam ou não funcionam exatamente, mas pela análise das relações entre os poderes é possível saber que, para além de um aperfeiçoamento institucional (advindo das tensões), estamos passando por um deslocamento de responsabilidades.
O relatório final da CPI da COVID dá voz à parte do Congresso que passou os últimos anos lutando para ser ouvida. Não apenas responsabiliza agentes governamentais como indicia (ainda que simbolicamente, uma vez que é monopólio do Ministério Público oferecer denúncia à Justiça) o Chefe do Executivo e demais membros do seu gabinete. Mas, antes mesmo de sua finalização, já contou o Ministro do Supremo Tribunal Federal esclarecendo o que realmente tem cabimento jurídico e o que não tem. Mais pontos de tensão são esperados diante de uma economia ainda em queda, diante da alta da inflação e da fome da população.
Como resolver? Segundo Helmke “não existem balas mágicas, apenas trade-offs. Diminuir os poderes presidenciais através de reforma constitucional é obviamente difícil e, se presidentes irão permanecer minoritários, mas espera-se que liderem a nação, então os desafios associados a um governo dividido podem convencer de uma vez por todas os atores de que a cura é pior do que a doença”. (Helmle, 2017, p. 163). Nesse sentido, é aguardar as próximas eleições para reorganizar as arenas políticas.
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