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Paradoxo Supremo: quando as instituições geram baixa institucionalidade

Leon Victor de Queiroz


Qualquer política pública requer planejamento, discussão, estimação de seus impactos, para posteriormente haver avaliação. Não tem como ser com base em achismos. O Poder Judiciário há tempos vem enfrentando problemas com déficit de juízes, o que faz com que um único juiz ou juíza acumulem dois ou até mesmo três comarcas. Sem falar nos acúmulos de outras funções. A discussão do Juiz de Garantias ganhou força depois da divulgação, pelo site The Intercept, das conversas entre o então juiz Sério Moro (hoje Ministro da Justiça e Segurança Pública) e os procuradores da República responsáveis pelas investigações da Operação Java Jato no Paraná. Os diálogos apontaram um certo dirigismo por parte do magistrado no sentido de uma melhor atuação do MPF em sua vara, o que pela legislação atual poderia configurar quebra da imparcialidade, mas que na prática fica difícil para um juiz atuar na fase de investigações sem ter esse tipo de controle, daí em se pensar em dois juízes criminais: um para dirigir as investigações e outro para instrução e julgamento.

O problema é que um juiz de garantias é um juiz. Se já há déficit de magistrados (segundo o Conselho Nacional de Justiça, a cada 5 cargos de juiz, um está vago), qual a solução?


Acúmulo de funções ou contratação de novos juízes? De qualquer forma, em ambos os casos haverá aumento de gasto público sem qualquer planejamento orçamentário nem por parte do Executivo e muito menos do Judiciário. O Juiz de Garantias foi criado a partir de uma emenda do deputado federal Marcelo Freixo ao projeto de lei do pacote anti-crime. O próprio deputado confessou ter ficado surpreso com a sanção presidencial.

Não há dúvidas de que o presidente Bolsonaro mudou a forma como o Executivo negocia com o Legislativo, abandonando a distribuição de ministérios entre os partidos que o apoiam para ter a liberdade de montar uma equipe de acordo com suas expectativas. Entretanto, sem uma base majoritária, o Legislativo vem se tornando protagonista da agenda legislativa, antes sob certa dominância do Executivo. O problema é que esqueceram de combinar com os juízes.


Em um sistema de poder compartilhado, Executivo, Legislativo e Judiciário tem funções distintas com legitimidade distintas. O juiz de garantias foi fruto de uma emenda individual, e não de uma ampla discussão e debates no Congresso, muito menos sem consultar os tribunais superiores sobre qual a melhor forma de implantação. A surpresa do deputado mostra que não havia expectativa de aprovação, o que vem gerando forte debate e dividindo o mundo jurídico entre aqueles que defendem o juiz de garantias –  como forma de reforçar a imparcialidade constitucional do magistrado –  aqueles que se posicionam de forma contrária em função dos gastos não estimados e do impacto não planejado.


Porém, apesar da falta de discussão, a medida foi aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, cabendo à Suprema Corte buscar respeitar o resultado e planejar da melhor forma como implementar a inovação jurídica. O presidente do STF já havia costurado com os demais poderes que a implementação se daria dentro de seis meses, tempo que julga ser suficiente para sanar a falta de planejamento. Entretanto, o vice-presidente da Suprema Corte, ao ser sorteado relator de ações que questionam o novo papel de juízes no processo penal, tratou de suspender sumariamente e por tempo indeterminado o que já havia sido decidido, provocando um revés na estratégia do STF em aceitar o resultado das decisões do Legislativo e Executivo. Para além das formalidades sobre falta de previsão orçamentária e de que qualquer projeto de lei que altere a carreira dos juízes tenha de partir do STF, a situação expõe outro problema: onze atores com poder de veto.


O Judiciário pode, sempre que provocado, analisar a constitucionalidade de qualquer ato normativo do Poder Público. O fato de ser aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente da República, não tira o Judiciário a prerrogativa de suspender eficácia de lei ou de dispositivo legal. A questão está na falta de uma agenda comum da Suprema Corte, expondo onze mundos jurídicos distintos. A falta de formação de consensos traz às decisões do STF o mesmo suspense de um elefante numa loja de cristais. Mas o mais grave é que, os Tribunais são por excelência, os órgãos que repelem as incertezas, não seus geradores. E assim vai se perdendo a noção de institucionalidade e, por mais paradoxal que seja, essa diminuição de institucionalidade se dá em função das próprias instituições: É o próprio ordenamento jurídico que permite decisões individuais (monocráticas) e precárias (liminares).



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