Escrito por Eduardo Seino, mestre em Ciência Política pela USP e pesquisador do Laboratório de Política e Governo da UNESP, e Zé Gustavo, administrador público pela UNESP e porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade (2015-2018)
No presidencialismo de coalizão, a receita mais convencional para o chefe do Executivo conseguir aprovar suas pautas é eleger uma quantidade expressiva de parlamentares do seu próprio partido, ao mesmo tempo em que traz para a composição de sua base aliada outros partidos políticos e seus parlamentares.
Observamos que, ao longo do tempo, este movimento do Executivo de “trazer o Legislativo para perto” tem ocorrido de diversas formas: afinidade ideológica para determinada pasta; distribuição de partes do governo, garantindo acesso a cargos e recursos, sem a necessidade de existir um consenso programático; chegando até mesmo a distribuir benefícios ilegais para os agentes públicos.
Devido a investigações que demonstraram diversas ocasiões em que os dois últimos itens da lista anterior ocorriam, toda a forma de negociação passou a ser mal vista pela população, de modo que os cidadãos passaram a exigir dos representantes políticos que não negociassem seus posicionamentos e votos.
Em 2018, foram eleitos portadores de um discurso que prometia afastar o ato de negociar da ação política, como se a negociação fosse intrinsecamente ruim, independentemente dos termos. Ainda que vários candidatos à presidência tenham se posicionado sobre ressignificar o presidencialismo de coalizão no sentido de moralizar a relação com o Parlamento, no final venceu Bolsonaro, aquele que defendeu não negociar nada.
É preciso lembrar que o Congresso Nacional é onde ocorrem as sinapses da democracia, no diálogo entre os parlamentares que devem ocorrer os acordos para que soluções coletivas avancem. Acordos não significam negociatas, muito menos abertura à corrupção, mas devem ser frutos de mediações, sobretudo entre Executivo e Legislativo, para que se encontrem saídas para questões públicas de forma compartilhada.
O governo Bolsonaro, desde o início de seu mandato tem tentado “novos” métodos de lidar com o Legislativo. No começo, tentou fazer articulações através das bancadas temáticas, estreitando relações com as bancadas da “bíblia, bala, bola e boi”. Não deu certo. Quando as bancadas perceberam a “força” que estavam ganhando junto ao governo, passaram a também querer negociar espaços no governo e na agenda pública. Além disso, no dia a dia do plenário, os parlamentares também não são fiéis às suas bancadas temáticas quando as votações não se relacionam com o tema. Logo, Bolsonaro recuou na articulação.
Quando a reforma da Previdência ainda estava na Câmara, o governo fez outro movimento. Enquanto Bolsonaro chamou reunião com os principais líderes de partidos para dizer da importância da aprovação da reforma, seu vice participou de reuniões, jantares e palestras com empresários importantes, defendendo a atuação destes agentes junto aos parlamentares. A estratégia da articulação ficou clara em uma palestra, em Boston, na qual o general Santos Cruz, então Ministro Chefe da Secretaria de Governo, ao discursar sobre a articulação parlamentar do governo para aprovação de projetos de lei, inclusive a reforma da Previdência, afirmou: “Brasília (Congresso Nacional) ainda está um caos, mas São Paulo (mercado financeiro) está animado com o governo. Logo São Paulo ajuda a colocar Brasília em ordem”. Que tipo de resultado se espera da estratégia de articulação política deste tipo? Este é apenas um exemplo da falta de traquejo político do atual governo, em meio a tantos outros casos estapafúrdios que coleciona em dez meses de mandato.
Ademais, com os acontecimentos da última semana, nem é preciso gastar os poucos caracteres que ainda nos restam nesta coluna para afirmar que a bancada do PSL não tem coesão alguma. Aliás, não pode se esperar coesão daquilo que nunca foi partido político. Ao contrário, parece haver uma disputa insana por protagonismo, onde impera o jargão tradicional “falem mal, mas falem de mim”, em uma mistura de despreparo e desrespeito dos parlamentares governistas com seus pares e seus representados.
Há de se registrar, por outro lado, que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, tem se empenhado para imprimir um ritmo de aprovação de uma agenda similar à agenda do governo, ao que parece, não pelo apreço ou alinhamento que tem com o Executivo. Às vistas de muitos, Maia tem se transformado em um líder importante, ajudando o Parlamento a transformar-se em um Poder mais fortalecido neste momento de enfraquecimento do Executivo. Este mesmo processo não está tão claro no Senado, apesar de nas duas casas existirem comentários que Bolsonaro está conseguindo implementar o parlamentarismo no Brasil.
Em um país que já teve dois impeachments de cinco presidentes eleitos, em que o Legislativo tem sofrido cada vez menos influência do Executivo e, por isso, ganha maior autonomia na definição dos meandros das leis que geram políticas públicas, o governo Bolsonaro parece estar deixando nas mãos do Parlamento a decisão sobre o teor de propostas apresentadas pelo governo. Entretanto, quanto desta confusão causada pelo partido do presidente ofusca o protagonismo do Congresso Nacional?
Com várias tentativas frustradas, correm as notícias que o presidente pode buscar apoio dos velhos partidos de centro para retomar, se é que algum dia teve, alguma maioria estável no Legislativo. Travestido da narrativa do “novo”, o Executivo deve acabar se submetendo às práticas de negociação que boa parte do seu eleitorado repudiou nas urnas. Nessa novela toda, nova mesmo é a forma de governar que o presidente fundou: o presidencialismo de confusão.
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