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Presidente da Câmara, poder de agenda e democracia

Vitor Vasquez



Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara dos Deputados, tem sido figurinha carimbada na imprensa, pelo menos desde a segunda metade do governo Bolsonaro, quando fora conduzido pela primeira vez ao cargo. Durante o período muito destaque fora dado ao político, sobretudo pela justificativa de que ele controlava importantes recursos federais.

O tom de preponderância se manteve no início do atual governo Lula, após Lira ser reconduzido à presidência da Casa, lhe sendo atribuído protagonismo político inédito, mesmo em comparação a antigos presidentes da Câmara. Inclusive, Lara Mesquita do Legis-Ativo traz uma importante discussão acerca da recondução aos cargos das mesas diretoras em diversas casas legislativas. Mas por que tanto interesse em ocupar este cargo? O que tem de especial quem preside a Câmara dos Deputados?

Ao se falar em política, na maioria das vezes somos remetidos a coisas grandiosas e abstratas como poder, democracia ou Estado-nação, por exemplo. No entanto, ainda que a atividade política de fato se atrele a estas ideias, ela também configura um trabalho cotidiano, corriqueiro.

Pensar o fazer político desta forma nos ajuda a simplificar fenômenos complexos do universo político, auxiliando a desmitificá-lo. Nesse sentido, ao compreender a política como uma ação ordinária, conseguimos alcançar a relevância de um cargo como presidente da Câmara para o processo decisório.

Uma das principais atividades de um parlamentar é legislar. Isto inclui, propor, analisar, modificar e ser contra ou a favor a uma lei. Propor um projeto de lei é algo que demanda pouco recurso, contudo, ter o projeto transformado em norma jurídica são outros quinhentos. Em consulta à página da Câmara dos Deputados, é possível observar que, de 01/01/2023 a 25/11/2023, 4.934 projetos de lei ordinária, que demandam maioria simples para aprovação, foram propostos. Destes, apenas 56 foram votados, sendo 53 aprovados e 3 rejeitados. Portanto, é mais fácil propor uma lei do que colocá-la em votação. Ao mesmo tempo, é mais difícil para um projeto entrar em votação do que ser aprovado.

Para que uma proposta legislativa seja apreciada ela precisa entrar na ordem do dia. Segundo o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, quem agenda as proposições a serem incluídas é o presidente da Câmara junto com o Colégio de Líderes. A presidência também acumula prerrogativas como: conceder palavra aos deputados; controlar o tempo do orador; suspender ou levantar a sessão; encaminhar a matéria a discussão e votação; e estabelecer o ponto da questão a ser votado. Ao controlar estes recursos, o presidente da Câmara define não só qual projeto dentre os incontáveis disponíveis será apreciado, mas também como esse processo ocorrerá. Em outras palavras, ao se investir do cargo, ele adquire poder de agenda, participando decisivamente do estabelecimento do que será tramitado e quando será tramitado.

Do ponto de vista democrático, este acúmulo de prerrogativas pode ser questionado. Afinal, é apenas um deputado dentre os 513 eleitos por voto popular que possui este privilégio.

No entanto, é preciso considerar que o presidente da Câmara é selecionado pela maioria absoluta dos deputados, nem que para tanto seja necessário um segundo escrutínio incluindo somente os dois pleiteantes mais bem votados no anterior. Geralmente, o político escolhido acumula experiência e, por isso, é capaz de antecipar a preferência de seus pares. Não por acaso, a taxa de projetos aqui considerados que foram aprovados é tão alta, beirando o 100% (53 de 56). Além disso, muito do seu trabalho é acompanhado e feito em colaboração com o Colégio de Líderes, que conta com representantes da Maioria, da Minoria, dos Partidos, dos Blocos Parlamentares e do Governo. Por fim, deve-se considerar que decisões coletivas demandam que algumas atividades sejam restritas a poucas pessoas, bem como que se reduza as alternativas disponíveis para votação.

Este último ponto restritivo interessa especialmente, pois é nele que se estabelece a necessidade de transferir poder de agenda a um parlamentar dentre os eleitos. Imaginem se coletivamente os 513 deputados fossem definir os projetos a serem analisados por maioria simples. Lembrem-se que, somente este ano, já foram propostos 4.934 projetos, considerando apenas os de lei ordinária. Parece pouco provável que a Câmara, nestes moldes, chegue a um acordo. Portanto, a falta de políticos investidos com poder de agenda potencialmente nos levaria a uma paralisia decisória, neste caso, a uma situação em que nem o que será votado seria estabelecido.

O presidente da Câmara, portanto, caracteriza uma contradição necessária. Por um lado, por acumular mais prerrogativas que seus pares, conforma um ator com poderes antimajoritários, que, sozinho, toma decisão que impacta a rotina de trabalho de todos deputados. Por outro, diante da quase impossibilidade em se tomar decisões coletivas sem instituições restritivas, sua existência é imprescindível ao funcionamento do sistema político. As questões que ficam é qual deve ser o limite de sua capacidade em determinar a agenda e como controlar abusos, caso este limite seja ultrapassado.

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