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Qual o custo de uma aparente inutilidade?

Atualizado: 9 de mar. de 2023

Araré Carvalho e Melina Ferracini de Moraes


A separação dos poderes, prevista como princípio fundamental na Constituição Federal, estabelece a atuação de três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) de forma harmônica e independente entre si, visando à manutenção do Estado democrático de Direito. Nesse sentido, dentro das funções que lhe são próprias cabe ao Poder Judiciário julgar as demandas trazidas pela sociedade em termos de eventuais conflitos; ao Executivo, governar o povo e administrar os interesses públicos e, por fim, ao Legislativo cabe a produção de leis e normas que regulamentam o funcionamento da sociedade.




Diante do cenário político e institucional dos últimos anos, ganhou destaque no mundo político e jurídico o debate acerca do ativismo do Poder Judiciário, no entanto, não menos importante se mostra a discussão sobre a atividade do Poder Legislativo. Isso porque a produção legislativa implica em custos, movimentação orçamentária pública, tempo, estrutura e funcionários públicos.



Tem tido pouco espaço no debate público os custos de um projeto de lei, ou seja, qual a despesa que o Estado destina à criação de novas leis e qual o bônus, mas acima de tudo, o ônus, que vários outros setores da sociedade (inclusive econômico) carregam com a aprovação e entrada em vigor de uma lei.



Segundo estudo elaborado pelo Valor Econômico em 2017, do total de leis aprovadas pelas Assembleias Legislativas dos Estados-membros, apenas 35% têm um impacto efetivo para a sociedade, abordando assuntos relevantes tais como a regulação de programas, de atividades comerciais e modificações orçamentárias e/ou tributárias. Os outros 65% referem-se a leis que fogem à utilidade prática mais efetiva, tais como concessão de títulos a pessoas e entidades (ligadas à própria gestão burocrática estatal), nomes de rua, criação de datas comemorativas (por exemplo: dia de equipamentos de terraplanagem) e alterações e configuração dos órgãos públicos.



Recentemente (dezembro de 2022) a ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) aprovou o orçamento de 2023 para o estado de R$ 317 bilhões com, naturalmente, a atuação dos deputados estaduais, que terão sobre esse montante fatias para a realização de benesses locais em temas e regiões.



Dentro desse contexto, é importante destacar que o parlamentar, em todas as esferas de atuação (municipal, estadual e federal) não possui uma limitação material ou formal para apresentação de projetos de lei, o que, consequentemente pode onerar o Estado de forma dupla: seja no custeio do trabalho do parlamentar, seja com o custo de seu projeto que pode ser considerado supérfluo, distante de uma realidade condizente com sua função pública.



Considerando que o Poder Legislativo, dentro do seu papel principal, deve refletir a representatividade dos cidadãos de sua esfera de poder no regime democrático, e diante do quadro apresentado de gastos exorbitantes com projetos de lei inúteis, pode-se afirmar que o exercício da democracia, no seu aspecto representativo vem sendo violado, ou ao menos tem sido falho. Resvalando-se, inclusive, na transparência e na governabilidade, próprios ao sistema presidencialista, pois a representatividade e participação são as bases onde são produzidos os principais atributos da democracia: estabilidade política, representatividade e accountability.



É preciso deixar o processo legislativo o mais eficiente e transparente possível, o que implicaria na sua fiscalização e responsabilização política dos representantes face aos representados. E nesse sentido, é que se deve fortalecer instrumentos para investigação da atuação parlamentar frente aos desafios sociais e políticos do cenário brasileiro.




Os mecanismos de accountability (fiscalização e controle de gastos dos poderes) dizem respeito mais à avaliação da importância das instituições do que propriamente à análise acerca da melhoria da prestação dos serviços públicos e controle da produção de uma legislação de qualidade, envolvendo os próprios cidadãos nesse processo.



Assim, a produção legislativa envolve não somente a criação de leis (a maioria inúteis) como também um impacto direto no orçamento público, o que traduz a necessidade de fiscalização para além de uma esfera entre poderes (Legislativo Executivo e Judiciário), mas da própria população, já que dentro do Estado Democrático de Direito os representantes eleitos devem refletir os anseios sociais atuando na esfera política de forma transparente e eficiente.

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