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Quem representa Deus?

Marcela Tanaka



Que há um aumento substancial na participação de atores religiosos na esfera política não existem dúvidas, mas hoje viemos discutir e apresentar os dados dos candidatos religiosos às prefeituras e câmaras de vereadores no Brasil para as eleições que devem ocorrer em 15 de novembro deste ano. Em texto recente, cientistas políticos mostraram que houve um aumento na menção a títulos religiosos em 2020 comparativamente às eleições de 2016, mas quem são essas pessoas? Ou, como o nome que dá título a esse texto: quem representa Deus no parlamento e nas prefeituras?



Selecionamos entre todos os candidatos aqueles que mencionaram em seus nomes de urna algum atalho religioso. Foram incluídos na seleção os termos: pastor, bispo, irmão, missionário, apóstolo, padre e reverendo, tais como as suas respectivas variações para o feminino e abreviações, tanto no começo ou ao final de seus nomes. Dos mais de 550 mil candidatos, aqueles que mencionam algum título religioso somam 9287, isto é, quase 2% do total. Com uma média de idade de 47,4 anos, os religiosos são estatisticamente mais velhos que a média das candidaturas, que é de 45,5 anos. Além disso, como mostra o Gráfico 1 abaixo, também possuem um perfil que comporta mais candidatos masculinos nos dois principais cargos em disputa, semelhante ao total de candidaturas.




Já a distribuição por estados da Federação apontam que onde mais se usa menção religiosa para o executivo municipal é em Pernambuco seguido do Pará , ao passo que onde mais se usa esse atalho para os cargos de vereador é em São Paulo seguido, novamente, por Pernambuco, como mostra o Gráfico 2.  Em termos de escolaridade, há uma diferença interessante entre quem mobiliza sua identidade religiosa e o total de candidaturas. O Gráfico 3 mostra que, na disputa para Prefeito, 33,3% dos candidatos religiosos possuem Ensino Superior completo, já na população de candidatos esse número é de 55,8%. Comparativamente, portanto, o setor religioso que disputa as prefeituras é menos escolarizado, do qual seus candidatos se concentram majoritariamente entre aqueles que possuem Ensino Médio completo.





Mais dados sociodemográficos apontam que os religiosos são muito mais casados que os demais. Entre os postulantes à Prefeitura, esse número chega a 90,4% e entre vereadores a 81,2%. Enquanto isso, a média nacional é de 68,2% e 50%, respectivamente. Mas o dado que mais os diferencia da média nacional é a autodeclaração de raça/cor. Diferentemente dos outros dados, optamos por apresentar a amostra selecionada e o total de candidatos. Enquanto a maioria dos religiosos é parda e preta somando 75% entre os prefeitos e 69,7% entre vereadores, no rol de candidaturas essa taxa é de 35% e 50%, respectivamente. Também é importante notar que a distribuição partidária mostra que os candidatos de Cristo estão concentrados majoritariamente nos partidos de direita, cerca de 20 pontos percentuais a mais que a média nacional.





Por fim, um dado interessante sobre renovação política. Só 2% desses candidatos religiosos estão em busca de reeleição, tanto para a prefeitura quanto para as câmaras municipais. Entre os que não utilizam esse atalho cognitivo, a taxa para as prefeituras é quatro vezes maior (8%) e o dobro para os vereadores (4%).



Em resumo, as candidaturas religiosas em 2020 podem ser entendidas por dois ângulos de análise distintos. O primeiro é demográfico e os dados mostram que esses candidatos que se utilizam de nomes de urna que remetem a alguma filiação religiosa refletem, sobretudo entre os evangélicos, o perfil sociodemográfico de seu recorte na sociedade civil. Assim, se esses congregantes elegessem seus candidatos, é bastante razoável supor que estariam elegendo pessoas que compartilham não só uma mesma visão de mundo, uma ideologia compatível, posicionamentos políticos específicos, mas também características muito próximas a si mesmo. É evidente que devemos ter cuidado na transposição de inferências de dados agregados, tais como estes, para o nível individual, mas em geral, é possível afirmar que os candidatos religiosos são sobretudo pretos e pardos, homens, casados, menos escolarizados, mais velhos e com menor experiência política para cargos eletivos.



Por outro lado, é interessante analisar o por quê desse aumento do número de candidaturas ditas religiosas. Isto porque, historicamente, os parlamentares religiosos, em específico os evangélicos, de maior sucesso raramente concorrem com um nome de urna identitário. Isso se dá porque, normalmente, estes também são candidatos que possuem o apoio oficial e formal de sua igreja, tornando-os candidatos muito competitivos não só entre os fiéis, mas fora da igreja. Nesse sentido, ao não precisar utilizar um nome religioso aumentam seu leque de opções de possíveis eleitores. Assim, uma hipótese a ser investigada e que extrapola os limites deste artigo é que esse aumento no número de candidatos confessionais se dá a reboque do sucesso desses grandes nomes religiosos. Dito de outra forma, esse aumento pode ter acontecido de duas formas. A primeira entre candidatos religiosos que não contam com o apoio formal da igreja e que, portanto, buscam ativar uma identidade entre eleitores. Dado que é muito custoso para um cidadão médio escolher entre tantas opções, é possível pensar que a utilização de um nome confessional ajude na tomada de decisão. Além disso, ao denominar-se pastor, irmã ou padre, se confere uma autoridade à esse candidato que o separa do balaio dos demais. Outra possibilidade é que esse aumento pode ter ocorrido em função do aumento do sucesso eleitoral de candidatos confessionais e do avanço da pauta conservadora e da direita no cenário político fazendo com que mais postulantes se aventurassem no mundo eleitoral, ainda que sem muita experiência política e sem capital necessário para decolar suas campanhas.



De toda forma, a utilização do nome de urna confessional é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que aproxima o candidato de um eleitorado relativamente fiel, afasta uma outra parcela de possíveis eleitores que rejeitem as imbricações da religião na política. No final das contas, é uma questão de cálculo estratégico e que só o resultado final dirá se valeu pagar o truco.

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