Araré Carvalho e Deysi Cioccari
Muito se falou no início do ano sobre o uso das redes sociais nas eleições de 2020. Para além da popularidade, a pandemia da COVID-19 fez com que elas se tornassem uma ferramenta-chave neste ano. Mas será que só isso importa?
Vamos para uma breve análise: no Brasil, a partir da redemocratização (1985) nós começamos a falar abertamente sobre Comunicação e Política. Os conceitos de marketing eleitoral foram abertamente utilizados. Vimos a campanha de Collor de Mello trabalhar sua imagem com uma coragem descarada que até então a censura não permitia, passando pela transformação de Lula promovida por Duda Mendonça. O que acompanhamos de lá para cá foi uma sociedade cada vez mais se abrindo à comunicação. O espetáculo só aumentou: pré-campanha, divulgação de agendas de candidatos, possíveis coligações. “O que é bom aparece, o que aparece é bom”, como dizia Debord. Nesse contexto vieram as redes sociais.
O tempo de televisão continua valendo, contudo, as redes sociais deram uma liberdade até então não possível. Elas tornaram tudo um pouco mais fácil; todavia, não podemos esquecer que política é um jogo... às vezes, um jogo bélico, como diria Schwartzenberg, em que a metamorfose do político em produto conta tanto quanto qualquer outro fator; e não podemos atribuir somente a um fator a soma dos produtos.
Com a mudança nas regras eleitorais e o período de campanha para 45 dias, os candidatos mais conhecidos saem favorecidos. Em 2020, as redes sociais não se mostraram capazes de construir candidatos que não possuíam um “recall” no imaginário político do eleitorado. Não foi surpresa ver indicados de atuais mandatários se elegerem, ou prefeitos e vereadores se reelegerem.
Nessa eleição, vimos que por mais que as mídias sigam com grande importância, outras variáveis fazem a diferença, como dinheiro colocado em campanha e a tradição dos candidatos locais. Ainda vale o espetáculo, onde a estética da mercadoria, neste caso, o candidato, interage com as necessidades e os impulsos do homem submetendo-se ao seu grau de satisfação, insira-se aqui os políticos mais experientes que tem mais o “pulso da população”. Os novos candidatos padecem dessa capacidade e não tiveram oportunidade, devido as condições impostas pela pandemia, de estabelecer esse vínculo de forma efetiva.
É o domínio exercido pelo fascínio das aparências artificiais, que nessa campanha privilegiou os políticos mais conhecidos. No brilhante estudo “Coronelismo, enxada e voto”, Victor Nunes Leal nos explica que a política brasileira é feita, desde sempre, numa intercalação de dependência entre poder público e privado e que o filhotismo, que ele chama de mandonismo, as ameaças e jogos de poder, são inerentes a nossa política.
O Estado brasileiro tem em sua formação características peculiares e a troca de favores é uma delas bem como o falseamento das representações impedindo a restrição da democracia apontada por Florestan Fernandes e, consequentemente, a exclusão de uma parcela considerável da população nos processos decisórios. Isso reitera nosso ponto de que, as redes sociais importam muito, mas conhecer a história política brasileira e como ela funciona importam mais. Os mesmos seguem no poder. Shakeaspeare dizia: o mundo inteiro é uma cena. O “palco político” é um palco para estabelecer uma relação face a face teatral com o público. (...) Este fazedor de espetáculo é igualmente um provador de sonhos. Ter um perfil em uma rede social não garante uma eleição. A política continua sendo o que sempre foi: uma grande construtora do imaginário. Apenas os meios mudaram.
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