Cláudio André de Souza
Os mecanismos legislativos decisórios em torno do aperfeiçoamento do sistema eleitoral são uma característica das democracias representativas, já que reforma política pode ser entendida enquanto um processo de reorganização das regras para competições eleitorais periódicas. Diante dos riscos e tensionamentos democráticos, a agenda de reforma das regras eleitorais em curso no Brasil pode virar um “show de horrores” com parlamentares especulando votar em propostas esdrúxulas, como a adoção do distritão e a criação de uma reserva pífia de vagas para mulheres eleitas para 15% das vagas.
A proposta do distritão pretende que o país eleja, por exemplo, os deputados federais mais votados em cada estado da federação, considerando a proporção das cadeiras que cada estado federativo teria direito. No sistema proporcional de lista aberta atual, candidatos de um mesmo partido que não são eleitos cooperam para a conversão de votos em cadeiras. Por exemplo, as 39 cadeiras que a Bahia tem direito na Câmara dos Deputados só puderam ser ocupadas em 2018 por partidos ou coligações que alcançaram o quociente eleitoral de 176.103 votos.
Para se ter uma ideia, o PSDB baiano conquistou 219.247 votos e elegeu um candidato, o mais votado da chapa, Deputado Federal Adolfo Viana, que conquistou sua vaga com 102.603 votos. O PSL elegeu em São Paulo o deputado federal Guiga Peixoto com apenas 31.718 votos, uma situação comum do nosso sistema eleitoral, já que em 2018, dos 513 deputados, somente 27 dependeram dos próprios votos para se eleger. Qual a lógica do nosso sistema? O voto é dado a um candidato, mas calculado pela perspectiva partidária; logo, as cadeiras são computadas pelo total de votos dados a todos os candidatos de um determinado partido.
A vantagem do sistema proporcional em vigor no país reside na eleição de partidos menores e maiores de forma proporcional, garantindo pluralismo político-partidário, além do que, o distritão aparece no mundo em pífios 2% dos países (Afeganistão, Ilhas Pitcairn, Jordânia e Vanuatu) e traz as desvantagens do aumento do personalismo das campanhas, com diminuição do peso institucional dos partidos.
Nas eleições de 2014, se tivéssemos já adotado o distritão, 34% dos eleitores que votaram nominalmente teriam seus votos descartados na distribuição de cadeiras para deputado federal, ou seja, um sistema de alto descarte de votos e aumento da sub-representação. O distritão pode diminuir a renovação na política, pois alguns “donos” de partido podem lutar para barrar novas candidaturas que superem o voto nas “velhas raposas”, tornando um inferno a vida interna dos partidos, dificultando bases mínimas de cooperação.
A outra proposta em debate diz respeito ao aumento da participação de mulheres eleitas, pois, a legislação atual limita-se a indicar que os partidos atinjam a cota de 30% de mulheres candidatas. A deputada Renata Abreu (PODEMOS/SP), relatora da comissão da reforma eleitoral, propôs nos últimos dias reserva de vagas de 15% de vagas no Legislativo, um número insuficiente perante a realidade social e política do país, considerando, inclusive, que estamos vivendo um novo ciclo societário de empoderamento feminino contra o machismo e a todas as formas de desigualdade de gênero. A baixa representatividade feminina será combatida, em especial, com a adoção imediata de uma reserva de 30% das vagas, convertendo a cota em vaga efetiva. As experiências eleitorais do Chile (reserva de vagas de 50% para mulheres eleitas) e do México (lista de candidaturas paritárias) foram exitosas quanto ao objetivo de aumentar a representação democrática, levando novos grupos políticos ao poder.
A luta pelo fim do sistema proporcional de lista aberta evidencia as altas chances de criarmos um “Frankstein”, assim como a adoção de uma reserva de vagas de mulheres eleitas distante do perfil do eleitorado, sendo que em uma parte significativa das cidades brasileiras as mulheres são maioria. Até outubro, podemos assistir o país caminhar para uma desfiguração do nosso sistema político, fabricando um verdadeiro puxadinho institucional. Ainda carecemos de uma rodada de audiências públicas em que múltiplas vozes sejam ouvidas para que não reduzamos o debate eleitoral a um pequeno e seleto gabinete de notáveis.
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