Carolina Corrêa
Não é novidade que Jair Bolsonaro, com a ajuda do Ministro Ricardo Salles, tem trabalhado na tentativa de afrouxar as normas relacionadas à conservação e preservação ambiental no país. A intenção já era visível desde o período eleitoral; o atual Presidente da República nunca fez questão de esconder a sua aproximação com o setor ruralista, nomeadamente, a sua relação amigável com os membros da Frente Parlamentar da Agropecuária, e, por conseguinte, o seu compromisso em tentar responder as reivindicações do setor referentes àquilo que caracterizam como “a demora e a burocracia do processo de licenciamento ambiental”.
O licenciamento ambiental é um instrumento utilizado para fiscalizar a instalação de determinados empreendimentos, atividades e obras que envolvam a utilização de bens naturais ou que podem causar algum tipo de degradação ambiental. Trata-se, portanto, de uma ferramenta administrativa, baseada na Lei 6.938/1981 (que institui a Política Nacional do Meio Ambiente), cuja responsabilidade de concessão está a cargo de órgãos ambientais estaduais e, em alguns casos, do próprio Ibama. Noutras palavras, esse instrumento, em conjunto com as avaliações de impacto ambiental, permite que haja um importante controle daquelas atividades humanas que podem interferir gravemente nas condições socioambientais e na biodiversidade de determinado local do país.
Naturalmente, o licenciamento ambiental envolve um roteiro de estudo e de análise desempenhado por órgãos e profissionais técnicos especializados no assunto, e isso demanda tempo. O processo envolve a emissão de diferentes licenças de modo gradual, como a licença prévia, a licença de instalação, a licença de operação. Nesse contexto, a reclamação mais comum daqueles que estão por detrás dos grandes empreendimentos é o que chamam de “morosidade do processo” de licenciamento ambiental, o que, segundo eles, atrapalha o desenvolvimento econômico do país. O objetivo desses grupos é encontrar uma forma legal de driblar o processo de aprovação de licenças e de acelerar a implementação dos seus empreendimentos.
Foi com o intuito de atender a demanda desses grupos que Jair Bolsonaro aprovou, no dia de 30 de março de 2021, a Medida Provisória n.º 1.040 que discorre sobre o que governo denomina como a “modernização do ambiente de negócios no país”. Entre várias disposições, a MP altera a Lei n.º 11.598/2007 que trata da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) e determina que em casos cujo risco da atividade seja considerado médio, “o alvará de funcionamento e as licenças serão emitidos automaticamente, sem análise humana, por intermédio de sistema responsável pela integração dos órgãos e das entidades de registro, nos termos estabelecidos em resolução do Comitê Gestor da Redesim”.
Sem análise humana. Sem a verificação por parte de especialistas. Sem o desenvolvimento de um estudo adequado. Sem a devida fiscalização. É sobre isso que esse trecho da MP se refere. O tal licenciamento robotizado faz referência a licenças que envolvem segurança sanitária e ambiental, bem como a prevenção contra incêndio. De acordo com o que prevê a MP, basta o interessado fazer uma solicitação para receber as licenças, de modo automático (repito: sem análise humana). No caso de estabelecimentos comerciais, a licença ou alvará de funcionamento envolverá a emissão de um “termo de ciência e responsabilidade” assinado pelo empresário, sócio ou responsável legal pela sociedade. Portanto, caberá ao requerente observar se o seu empreendimento atende aos requisitos para “o funcionamento e o exercício das atividades econômicas constantes do objeto social, para efeito de cumprimento das normas de segurança sanitária, ambiental e de prevenção contra incêndio.” Todavia, eu pergunto: isso é suficiente?! Ou iremos incorrer no risco de tornarem-se frequentes casos como o da Boate Kiss e o de Brumadinho?
Com a máxima de “favorecer o ambiente de negócios”, Bolsonaro tenta, mais uma vez, emplacar o afrouxamento das normas referentes a licenças ambientais, incluindo, desta vez, a segurança sanitária e a prevenção contra incêndio. Não é a primeira vez que o Presidente da República se esforça para conseguir aprovar essa matéria; ele já havia tentado incluir alterações semelhantes nos textos da MP 881/2019 e da MP 915/2019 – foi malsucedido, devido à inconstitucionalidade desse tipo de proposta. O art. 225 da CF prevê que o poder público deve garantir a defesa e a preservação ambiental e, certamente, não é com emissão de licenças automáticas que se cumprirá essa responsabilidade.
A MP não deixa totalmente claro como os licenciamentos ambientais, em especial, funcionarão e em que medida o trabalho técnico humano será dispensado do processo de análise. Isto é, não existe um detalhamento a respeito da amplitude da proposta em termos ambientais. Acontece que uma medida provisória é um instrumento com força de lei, isso significa que quando o Presidente da República edita e publica uma MP, ela entra em vigência imediatamente, com duração de 60 dias e com a possibilidade de ser renovada por igual período. Todavia, para que vire Lei, essa MP precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e, então, sancionada oficialmente pelo Presidente da República. Cabe salientar, entretanto, que enquanto essa tramitação não acontece, a validade “temporária” da MP permite que os interessados já a coloquem em prática e isso pode causar danos consideráveis ao meio ambiente.
Mais uma vez, o Congresso Nacional está diante da responsabilidade de “barrar a boiada” e impor limites à ação do Poder Executivo no que concerne a agenda ambiental (já falamos neste blog sobre o papel dos parlamentares na conservação e preservação do meio ambiente). Na verdade, no que se refere à legislação ambiental, o governo Bolsonaro tem exigido que uma parcela do Poder Legislativo e dos partidos precise assumir mais do que o seu tradicional papel de “pesos e contrapesos” no sentido de fiscalização do Poder Executivo; faz-se necessário que tais atores políticos também atuem como “watchdogs”, monitorando de modo crítico as atividades do governo e relatando publicamente atos ilegais ou que parecem ir contra o interesse público. A MP 1040/2021 enquadra-se nesta situação. Estamos diante de um caso de clara tentativa de afrouxamento de normas que pode resultar em graves danos socioambientais e espera-se que os parlamentares ajam incisivamente na defesa do meio ambiente, conforme dispõe a nossa Constituição.
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