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Ruptura institucional: o pecado mora ao lado

Leon Victor de Queiroz e Elaine Gontijo

Nas últimas semanas, um importante debate tem ocupado espaço no meio político, embora sem a visibilidade que merece, a julgar pelas possíveis consequências. Em meio a incertezas sobre possíveis fontes para o programa de renda mínima, indicação para a vaga em aberto no Supremo Tribunal Federal, "boiadas" passando no Ministério do Meio Ambiente, o presidente do Senado Federal tenta criar condições políticas - e jurídicas - para sua reeleição ao principal cargo da Mesa do Congresso Nacional.



Trata-se de uma tentativa quase silenciosa: curiosamente, Davi Alcolumbre tem evitado conduzir as sessões do Senado e do Congresso, abrindo mão de ser visto justamente na função que busca continuar. A última sessão em que ocupou a cadeira de presidente foi na primeira oportunidade de retorno dos senadores a uma votação presencial (ou semi-presencial, uma vez que parte dos senadores optou por participar remotamente). Na oportunidade, o que deveria ser apenas a votação de autoridades e medidas provisórias que estavam por vencer, se tornou uma antecipação da discussão sobre a tentativa de reeleição.



Vários senadores ressaltaram, em Plenário, o que está expressamente impedido pela norma constitucional. A Constituição Federal, em seu art. 57, § 4° veda claramente a recondução para a Presidência do Senado na eleição imediatamente subsequente. Ou seja, a única forma de viabilizar uma nova disputa de Alcolumbre pela Presidência da Casa seria a aprovação de uma emenda constitucional. O mesmo se aplica ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, caso tenha intenção de concorrer à reeleição. Na tentativa de resolver o dilema, chegou-se a apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição, de autoria da Senadora Rose de Freitas (sem partido). Mas apenas 31 senadores assinaram a PEC, apenas 04 acima do mínimo necessário para que a proposta pudesse ser protocolada, e bem distante dos 49 votos necessários para se aprovar uma alteração na Constituição, caso fosse posta em votação.



No entanto, mesmo com a letra expressa - e dada a dificuldade posta de se aprovar a alteração necessária, o que se notou foi uma tentativa de Alcolumbre por resolver o "dilema" nos bastidores, em uma articulação que tem envolvido os três Poderes. Em ação movida pelo Partido Trabalhista Brasileiro (partido aliado ao governo, que apoia a reeleição de Davi), questiona-se sobre a possibilidade de reeleição para os cargos de presidente das Casas Legislativas. À mesma ação, juntou-se nota emitida pela Advocacia do Senado Federal - órgão submetido à presidência da Casa, favorável à possibilidade de recondução em consonância com decisão do STF a respeito de disputas em casas legislativas sub-nacionais. O próprio autor da tese, o ex-ministro Carlos Velloso, veio a público dizer que sua tese não se aplicaria ao caso do Senado, ao qual caberia exclusivamente a aplicação do texto constitucional. Na verdade a tese de Velloso é a de que a vedação constitucional à recondução para mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente não é de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais.



Não bastasse o contexto, em nota da Consultoria do Senado Federal solicitada pelo senador Alessandro Vieira, o consultor explicita o óbvio: não é possível reeleição sem alteração constitucional. Ao tomar conhecimento, o presidente do Senado emitiu nota à imprensa em que afirma que o único órgão autorizado a analisar a questão era a Advocacia do Senado, nos termos já explicitados, favoráveis ao seu pleito. De acordo com Alcolumbre, "a Advocacia do Senado defendeu a observância das prerrogativas constitucionais asseguradas a esta Casa Legislativa para definir a interpretação das suas normas, por meio de deliberação soberana dos 81 senadores no Plenário”. Nos bastidores, diz-se que este é o mote da decisão almejada pelo presidente do Senado no STF - trata-se de mera decisão interna corporis.



Na mesma nota, buscou deslegitimar os opositores da tese defendida pela Advocacia do Senado, segundo ele, uma "opinião defendida por um partido ou por um grupo de 10 senadores", muitos dos quais apoiadores que tornaram possível a sua eleição em fevereiro de 2019, quando disputou a presidência da Casa contra Renan Calheiros.



Mais do que uma questão de oposição x apoiadores, o que se coloca com essa tentativa de Davi Alcolumbre é a possibilidade de um perigoso precedente. Caso venha a se concretizar a disputa com sua presença, haverá uma clara e inequívoca ruptura das regras do jogo. Mais ainda, quem garantirá que tal ruptura limitar-se-á à Presidência do Senado/Câmara?

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